quarta-feira, 7 de abril de 2021

Os loucos da Rua Mazur - João Pinto Coelho

"Quando as cinzas assentaram, ficaram apenas um judeu, um cristão e um livro para escrever. Paris, 2001, Yankel, um livreiro cego que pede às amantes que lhe leiam na cama, recebe a visita de Eryk, seu amigo de infância. Não se vêem desde um terrível incidente, durante a ocupação alemã, na pequena cidade onde cresceram, e em cuja floresta correram desenfreados para ver quem chegava primeiro ao coração de Shionka. Eryk, hoje um escritor famoso, está doente e não quer morrer sem escrever o livro que o há de redimir. Para isso, porém, precisa da memória do amigo judeu, que sempre viu muito para além da sua cegueira.

Ao longo de meses, a luz ficará acesa na Livraria Thibault. Enquanto Yankel e Eryk mergulham no passado sob o olhar meticuloso de Vivienne, a editora que não diz tudo o que sabe, virá à tona a história de uma cidade que esteve sempre no fio da navalha; uma cidade de cristãos e judeus, de sãos e loucos, ocupada por soviéticos e alemães, onde um dia a barbárie correu à solta pelas ruas e nada voltou a ser como era."

Uma narrativa poderosa com uma galeria de personagens inesquecíveis.
João Pinto Coelho, escritor português (1967), foi vencedor do prêmio LeYa com sua obra "Os loucos da Rua Mazur".




 

“A casa das palavras
Na casa das palavras, sonhou Helena Villagra, chegavam os poetas. As palavras, guardadas em velhos frascos de cristal, esperavam pelos poetas e se ofereciam, loucas de vontade de ser escolhidas: elas rogavam aos poetas que as olhassem, as cheirassem, as tocassem, as provassem. Os poetas abriam os frascos provavam palavras com o dedo e então lambiam os lábios ou fechavam a cara. Os poetas andavam em busca de palavras que não conheciam, e também buscavam palavras que conheciam e tinham perdido.
Na casa das palavras havia uma mesa das cores. Em grandes travessas as cores eram oferecidas e cada poeta se servia da cor que estava precisando: amarelo-limão ou amarelo-sol, azul do mar ou de fumaça, vermelho-lacre, vermelho-sangue, vermelho-vinho...”

 

O livro dos abraços

Eduardo Galeano




sábado, 22 de fevereiro de 2020

Os melhores contos fantásticos - Flávio Moreira da Costa

"Borges costumava dizer que a ideia de literatura realista é realmente moderna, remontando talvez ao século XIII, com as sagas escandinavas ou com o romance picaresco. Antes disso, entendia-se que todo escritor se referia a lugares distantes, imaginários muitas vezes, ou a um passado remoto, distante da realidade em que se inseria o autor. A ideia de que o autor devesse ter compromissos com sua época, relatando fatos cotidianos ou emitindo opiniões sobre está ou aquela corrente política, por exemplo, é algo novo. Há inclusive aqueles que acreditam - e o próprio Borges seria um deles - que, em última instância, toda literatura é fantástica." (Viagem pelo Fantástico - "Os melhores contos fantásticos" - Flávio Carneiro).
Esta incrível reunião de contos, que inicia com um trecho do "Apocalipse", registrando a presença do fantástico desde o texto bíblico,
divide-se em 4 capítulos: 1. Da antiguidade ao puritanismo; 2. O apogeu do século XIX; 3. Atravessando o século XX; 4. O fantástico em bom português.
O eclético é a marca registrada desta coletânea. No capítulo 2, "O apogeu do século XX", estão, dentre outros, "A horla", de Guy de Maupassant, "O ladrão de cadáveres", de Robert Louis Stevenson, "William Wilson", de Edgar Allan Poe, "O elixir da longa vida", de Honoré de Balzac e "O jogador generoso" de Charles Baudelaire.
Em "Atravessando o século XX", estão presentes Quiroga, Kafka, Wilde, Lugones e, claro!, Borges e Cortázar, com, respectivamente: "A insolação", "Josefina, a cantora ou o Povo dos Ratos", "O foguete notável", "Os cavalos de Abdera", "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius" e "Carta a uma senhorita em Paris".
Já no surpreendente "O fantástico em bom português", Machado de Assis é representado com "As academias de Sião", Aluísio de Azevedo com "Os demônios", Eça de Queiroz e "O defunto".
Boa leitura aos que se aventurarem nesta interessante viagem ao mundo fantástico!
(Os melhores contos fantásticos - Flávio Moreira da Costa - Nova Fronteira/2016)

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Canteiros de Saturno

“O pensamento fez Isadora sorrir. Muito pomposo. Uma expressão tão retórica e abstrata que nem parecia coisa saída da sua cabeça. Ridículo alguém usar essas palavras, mesmo para pensar. Mas também, agora que prestava mais atenção, via que a escolha delas fora reveladora. Chamava a atenção para o aspecto compulsivo, o lado quase maníaco do comportamento de Tuca quando ficava daquele jeito, chamando o nome dela toda hora para nada. Ou para perguntar pelas chaves do carro que estavam na mão dele, pelas meias que estavam na gaveta, pelo jornal que estava em cima da mesa, pela toalha que estava atrás da porta do banheiro, por tudo o que estava no lugar de sempre, meu Deus. Mas, principalmente, e era disso que Isadora de repente se dava conta, com um meio-sorriso que não deixava de revelar laivos de ternura - por si e pelo marido -, aquela expressão meio ridícula que lhe viera à mente funcionava como um lapso e trazia o aspecto fundamental de sua irritação. Crônica. Cronos. O velho deus grego. O Saturno dos romanos. O senhor do tempo. Tempo, tempo, tempo. Um senhor tão avaro. Sempre traindo, subtraindo. Diminuindo cada miúdo minuto. E a consciência disso também a contaminava de avareza fazendo-a relutar em dividir, compartilhar sua maior preciosidade.”


(“Canteiros de Saturno” Ana Maria Machado - Sexta e atual, ocupante da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras)



terça-feira, 20 de março de 2018

Me encanta volar

Ya escondí un amor por miedo de perderlo. Ya perdí un amor por esconderlo. Ya me aseguré en las manos de alguien por miedo. Ya he sentido tanto miedo, hasta el ...punto de no sentir mis manos. Ya expulsé a personas que amaba de mi vida, ya me arrepentí por eso. Ya pasé noches llorando hasta quedarme dormida. Ya me fui a dormir tan feliz, hasta el punto de no poder cerrar los ojos. Ya creí en amores perfectos, ya descubrí que ellos no existen. Ya amé a personas que me decepcionaron, ya decepcioné a personas que me amaron.
Ya pasé horas frente al espejo tratando de descubrir quién soy. Ya tuve tanta certeza de mí, hasta el punto de querer desaparecer. Ya mentí y me arrepentí después. Ya dije la verdad y también me arrepentí. Ya fingí no dar importancia a las personas que amaba, para más tarde llorar en silencio en un rincón. Ya sonreí llorando lágrimas de tristeza, ya lloré de tanto reír. Ya creí en personas que no valían la pena, ya dejé de creer en las que realmente valían. Ya tuve ataques de risa cuando no debía. Ya rompí platos, vasos y jarrones, de rabia. Ya extrañé mucho a alguien, pero nunca se lo dije.
Ya grité cuando debía callar, ya callé cuando debía gritar. Muchas veces dejé de decir lo que pienso para agradar a unos, otras veces hablé lo que no pensaba para molestar a otros. Ya fingí ser lo que no soy para agradar a unos, ya fingí ser lo que no soy para desagradar a otros. Ya conté chistes y más chistes sin gracia, sólo para ver a un amigo feliz. Ya inventé historias con finales felices para dar esperanza a quien la necesitaba. Ya soñé de más, hasta el punto de confundir la realidad. Ya tuve miedo de lo oscuro, hoy en lo oscuro me encuentro, me agacho, me quedo ahí.
Ya me caí muchas veces pensando que no me levantaría, ya me levanté muchas veces pensando que no me caería más.Ya llamé a quien no quería sólo para no llamar a quien realmente quería. Ya corrí detrás de un carro, por llevarse lejos a quien amaba. Ya he llamado a mi madre en el medio de la noche, huyendo de una pesadilla. Pero ella no apareció y fue una pesadilla peor todavía. Ya llamé a personas cercanas de "amigos" y descubrí que no lo eran... a algunas personas nunca necesité llamarlas de ninguna manera y siempre fueron y serán especiales para mí...
No me den fórmulas ciertas, porque no espero acertar siempre. No me muestren lo que esperan de mí porque voy a seguir mi corazón! No me hagan ser lo que no soy, no me inviten a ser igual, porque sinceramente soy diferente! No sé amar por la mitad, no sé vivir de mentira, no sé volar con los pies en la tierra. Soy siempre yo misma, pero con seguridad no seré la misma para siempre!
Me gustan los venenos más lentos, las bebidas más amargas, las drogas más potentes, las ideas más insanas, los pensamientos más complejos, los sentimientos más fuertes. Tengo un apetito voraz y los delirios más locos. Pueden hasta empujarme de un risco y yo voy a decir: "Qué más da? Me encanta volar!"
Clarice Lispector

terça-feira, 13 de março de 2018

No caminho de Swann


“Durante muito tempo, deitava-me cedo. Às vezes, mal apagava a vela, meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar: ‘Vou dormir’. E meia hora depois, a ideia de que já era tempo de conciliar o sono me despertava: queria deixar o livro que julgava ainda ter nas mãos e assoprar a vela; dormindo, não havia deixado de refletir sobre o que acabara de ler, porém tais reflexões haviam tomado um aspecto um tanto singular; parecia-me que era de mim mesmo que o livro falava: uma igreja, um quarteto, a rivalidade de Francisco I e Carlos V. Essa crença sobrevivia por alguns segundo ao meu despertar, não ofendia a razão, mas pesavam como escamas sobre os olhos, impedindo-os de perceber que a vela já não estava acesa. Depois principiava a me parecer ininteligível, como, após a metempsicose, as ideias de uma existência anterior; o assunto do livro se deligava de mim eu ficava livre para me adaptar ou não a ele; logo recobrava a vista e me surpreendia bastante por estar rodeado de uma obscuridade, suave e repousante para os olhos, porém ainda mais talvez para o espírito, ao qual surgia como uma coisa sem causa, incompreensível, como algo verdadeiramente obscuro (...)”

 

(“No caminho de Swann” Marcel Proust)


domingo, 11 de março de 2018

As meninas


“ ‘O último véu’ escrevia Lião, ela fica sublime quando escreve, começou o romance dizendo que em dezembro a cidade cheira a pêssego. Imagine. Dezembro é tempo de pêssego, está certo, às vezes a gente encontra as carroças de frutas com cheiro de pomar em redor mas concluir daí que a cidade inteira fica perfumada já é sublimar demais. Dedicou a história a Guevara com um pensamento importantíssimo sobre a vida e a morte, tudo em latim. Imagina se entra latim no esquema guevariano. Ou entra? E se ele gostava de latim. Eu não gosto? Nas horas nobres deitava no chão, cruzava as mãos debaixo da cabeça e ficava olhando as nuvens e latinando, a morte combina muito com latim, não tem coisa que combine tanto com o latim como a morte. Mas aceitar que a cidade cheira pêssego, exorbita.”
("As meninas" Lygia Fagundes Telles)