“O pensamento fez Isadora sorrir. Muito pomposo. Uma expressão tão retórica e abstrata que nem parecia coisa saída da sua cabeça. Ridículo alguém usar essas palavras, mesmo para pensar. Mas também, agora que prestava mais atenção, via que a escolha delas fora reveladora. Chamava a atenção para o aspecto compulsivo, o lado quase maníaco do comportamento de Tuca quando ficava daquele jeito, chamando o nome dela toda hora para nada. Ou para perguntar pelas chaves do carro que estavam na mão dele, pelas meias que estavam na gaveta, pelo jornal que estava em cima da mesa, pela toalha que estava atrás da porta do banheiro, por tudo o que estava no lugar de sempre, meu Deus. Mas, principalmente, e era disso que Isadora de repente se dava conta, com um meio-sorriso que não deixava de revelar laivos de ternura - por si e pelo marido -, aquela expressão meio ridícula que lhe viera à mente funcionava como um lapso e trazia o aspecto fundamental de sua irritação. Crônica. Cronos. O velho deus grego. O Saturno dos romanos. O senhor do tempo. Tempo, tempo, tempo. Um senhor tão avaro. Sempre traindo, subtraindo. Diminuindo cada miúdo minuto. E a consciência disso também a contaminava de avareza fazendo-a relutar em dividir, compartilhar sua maior preciosidade.”
segunda-feira, 30 de abril de 2018
terça-feira, 20 de março de 2018
Me encanta volar
Ya escondí un amor por miedo de perderlo. Ya perdí un amor por esconderlo. Ya me aseguré en las manos de alguien por miedo. Ya he sentido tanto miedo, hasta el ...punto de no sentir mis manos. Ya expulsé a personas que amaba de mi vida, ya me arrepentí por eso. Ya pasé noches llorando hasta quedarme dormida. Ya me fui a dormir tan feliz, hasta el punto de no poder cerrar los ojos. Ya creí en amores perfectos, ya descubrí que ellos no existen. Ya amé a personas que me decepcionaron, ya decepcioné a personas que me amaron.
Ya pasé horas frente al espejo tratando de descubrir quién soy. Ya tuve tanta certeza de mí, hasta el punto de querer desaparecer. Ya mentí y me arrepentí después. Ya dije la verdad y también me arrepentí. Ya fingí no dar importancia a las personas que amaba, para más tarde llorar en silencio en un rincón. Ya sonreí llorando lágrimas de tristeza, ya lloré de tanto reír. Ya creí en personas que no valían la pena, ya dejé de creer en las que realmente valían. Ya tuve ataques de risa cuando no debía. Ya rompí platos, vasos y jarrones, de rabia. Ya extrañé mucho a alguien, pero nunca se lo dije.
Ya grité cuando debía callar, ya callé cuando debía gritar. Muchas veces dejé de decir lo que pienso para agradar a unos, otras veces hablé lo que no pensaba para molestar a otros. Ya fingí ser lo que no soy para agradar a unos, ya fingí ser lo que no soy para desagradar a otros. Ya conté chistes y más chistes sin gracia, sólo para ver a un amigo feliz. Ya inventé historias con finales felices para dar esperanza a quien la necesitaba. Ya soñé de más, hasta el punto de confundir la realidad. Ya tuve miedo de lo oscuro, hoy en lo oscuro me encuentro, me agacho, me quedo ahí.
Ya me caí muchas veces pensando que no me levantaría, ya me levanté muchas veces pensando que no me caería más.Ya llamé a quien no quería sólo para no llamar a quien realmente quería. Ya corrí detrás de un carro, por llevarse lejos a quien amaba. Ya he llamado a mi madre en el medio de la noche, huyendo de una pesadilla. Pero ella no apareció y fue una pesadilla peor todavía. Ya llamé a personas cercanas de "amigos" y descubrí que no lo eran... a algunas personas nunca necesité llamarlas de ninguna manera y siempre fueron y serán especiales para mí...
No me den fórmulas ciertas, porque no espero acertar siempre. No me muestren lo que esperan de mí porque voy a seguir mi corazón! No me hagan ser lo que no soy, no me inviten a ser igual, porque sinceramente soy diferente! No sé amar por la mitad, no sé vivir de mentira, no sé volar con los pies en la tierra. Soy siempre yo misma, pero con seguridad no seré la misma para siempre!
Me gustan los venenos más lentos, las bebidas más amargas, las drogas más potentes, las ideas más insanas, los pensamientos más complejos, los sentimientos más fuertes. Tengo un apetito voraz y los delirios más locos. Pueden hasta empujarme de un risco y yo voy a decir: "Qué más da? Me encanta volar!"
Clarice Lispector
Ya grité cuando debía callar, ya callé cuando debía gritar. Muchas veces dejé de decir lo que pienso para agradar a unos, otras veces hablé lo que no pensaba para molestar a otros. Ya fingí ser lo que no soy para agradar a unos, ya fingí ser lo que no soy para desagradar a otros. Ya conté chistes y más chistes sin gracia, sólo para ver a un amigo feliz. Ya inventé historias con finales felices para dar esperanza a quien la necesitaba. Ya soñé de más, hasta el punto de confundir la realidad. Ya tuve miedo de lo oscuro, hoy en lo oscuro me encuentro, me agacho, me quedo ahí.
Ya me caí muchas veces pensando que no me levantaría, ya me levanté muchas veces pensando que no me caería más.Ya llamé a quien no quería sólo para no llamar a quien realmente quería. Ya corrí detrás de un carro, por llevarse lejos a quien amaba. Ya he llamado a mi madre en el medio de la noche, huyendo de una pesadilla. Pero ella no apareció y fue una pesadilla peor todavía. Ya llamé a personas cercanas de "amigos" y descubrí que no lo eran... a algunas personas nunca necesité llamarlas de ninguna manera y siempre fueron y serán especiales para mí...
No me den fórmulas ciertas, porque no espero acertar siempre. No me muestren lo que esperan de mí porque voy a seguir mi corazón! No me hagan ser lo que no soy, no me inviten a ser igual, porque sinceramente soy diferente! No sé amar por la mitad, no sé vivir de mentira, no sé volar con los pies en la tierra. Soy siempre yo misma, pero con seguridad no seré la misma para siempre!
Me gustan los venenos más lentos, las bebidas más amargas, las drogas más potentes, las ideas más insanas, los pensamientos más complejos, los sentimientos más fuertes. Tengo un apetito voraz y los delirios más locos. Pueden hasta empujarme de un risco y yo voy a decir: "Qué más da? Me encanta volar!"
Clarice Lispector
terça-feira, 13 de março de 2018
No caminho de Swann
“Durante muito tempo, deitava-me cedo. Às vezes, mal apagava a vela,
meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar: ‘Vou
dormir’. E meia hora depois, a ideia de que já era tempo de conciliar o sono me
despertava: queria deixar o livro que julgava ainda ter nas mãos e assoprar a
vela; dormindo, não havia deixado de refletir sobre o que acabara de ler, porém
tais reflexões haviam tomado um aspecto um tanto singular; parecia-me que era
de mim mesmo que o livro falava: uma igreja, um quarteto, a rivalidade de
Francisco I e Carlos V. Essa crença sobrevivia por alguns segundo ao meu
despertar, não ofendia a razão, mas pesavam como escamas sobre os olhos,
impedindo-os de perceber que a vela já não estava acesa. Depois principiava a
me parecer ininteligível, como, após a metempsicose, as ideias de uma existência
anterior; o assunto do livro se deligava de mim eu ficava livre para me adaptar
ou não a ele; logo recobrava a vista e me surpreendia bastante por estar
rodeado de uma obscuridade, suave e repousante para os olhos, porém ainda mais
talvez para o espírito, ao qual surgia como uma coisa sem causa,
incompreensível, como algo verdadeiramente obscuro (...)”
(“No caminho de Swann” Marcel Proust)
domingo, 11 de março de 2018
As meninas
“ ‘O último véu’ escrevia Lião,
ela fica sublime quando escreve, começou o romance dizendo que em dezembro a
cidade cheira a pêssego. Imagine. Dezembro é tempo de pêssego, está certo, às
vezes a gente encontra as carroças de frutas com cheiro de pomar em redor mas
concluir daí que a cidade inteira
fica perfumada já é sublimar demais. Dedicou a história a Guevara com um pensamento
importantíssimo sobre a vida e a morte, tudo em latim. Imagina se entra latim
no esquema guevariano. Ou entra? E se ele gostava de latim. Eu não gosto? Nas
horas nobres deitava no chão, cruzava as mãos debaixo da cabeça e ficava olhando
as nuvens e latinando, a morte combina muito com latim, não tem coisa que
combine tanto com o latim como a morte. Mas aceitar que a cidade cheira
pêssego, exorbita.”
("As meninas" Lygia Fagundes Telles)
terça-feira, 6 de março de 2018
Os segredos da obra "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Marquez
Cidade do México — Foi numa terça-feira de 1965. Gabriel García Márquez tinha acabado de voltar de um fim de semana em Acapulco (México) com sua mulher e seus dois filhos quando, fulminado por um “cataclismo da alma”, sentou-se diante da máquina de escrever e, como ele mesmo se recordaria anos mais tarde, não se levantou até o início de 1967. Naqueles 18 meses, todos os dias, das nove da manhã às três da tarde, o escritor colombiano gestou Cem anos de solidão.
Muito já foi escrito sobre o ambiente mexicano em que nasceu sua obra máxima, sobre sua obsessão criativa, suas dificuldades econômicas, o apoio constante dos amigos. Mas muito pouco é sabido sobre a construção de Cem anos de solidão. As chaves de sua formação material, a engenharia sobre a qual o escritor edificou o universo de Macondo, continuam entre sombras. E esse mistério não foi casual. Quando recebeu o primeiro exemplar impresso, em junho de 1967, o próprio autor rasgou o original para que “ninguém pudesse descobrir os truques ou a carpintaria secreta”. Pouquíssimos documentos se salvaram daquela destruição histórica. Um deles, possivelmente o mais importante, foi a primeira cópia das provas de impressão. Sobre elas, García Márquez anotou de seu próprio punho 1.026 correções, deixando à mostra modificações e inflexões de enorme interesse.
Esses papéis, aos quais o El País teve acesso, seguiram uma trajetória acidentada. O escritor os deu de presente ao cineasta exilado Luiz Alcoriza e sua esposa, Janet. Depois da morte dos dois, foram postos em leilão duas vezes, sem encontrar comprador. Agora, esquecidos novamente, procuram uma instituição que os receba. “Prefiro que estejam em uma biblioteca ou um museu que comigo”, diz o mexicano Héctor Delgado, herdeiro dos Alcoriza.
As provas de impressão, da editora Sudamericana, somam 181 folhas duplas, numeradas à mão, com anotações do autor feitas com caneta esferográfica ou caneta marca-texto. Um olhar sobre essas anotações revela as minúcias artísticas do trabalho de García Márquez. Nelas, o autor assinala os inícios de capítulo, reordena parágrafos, suprime e acrescenta frases, substitui ou corrige mais de 150 palavras e, em muitas ocasiões, chama a atenção para erros. Nesse exercício fica evidente a exigência exaustiva do autor consigo mesmo. As modificações não visam apenas purificar o texto ou aclarar a profusão de nomes dos Buendía, mas também aprofundam seus complexos jogos de linguagem. Às vezes tratam-se de sutilezas: de “amedrontar” passa-se para “intimidar”, de “obstruir”, para “cegar”, ou de “completar” para “complementar”. Mas em outras a mão do escritor vai muito mais longe: as borboletas de tornam “amarelas”, as sanguessugas são arrancadas “queimando-as” com brasas, o troglodita é convertido em um “tosco”, as crianças andam como “sorumbáticas”, a Ópera Magna se transforma em “alquimia”, um São José de gesso descobre um interior “abarrotado de moedas de ouro” e a descarga do Mauser “desbarata”, em vez de “desarticular”, um crânio.
Alguns personagens ganham nuances novas com as observações adicionais. Amaranta, por exemplo, “finge sensação de desgosto” quando ouve falar em casamento, enquanto Aureliano vê sua “antiga piedade” transformar-se em “animadversão virulenta”. São alterações constantes. Uma chuva fina de melhorias que, sem gerar mudanças de fundo nem reviravoltas do argumento, descobrem a dimensão microscópica e tenaz de um texto de cuja grandeza o autor tinha consciência.
Possivelmente por isso, García Márquez nunca devolveu as provas de impressão à editora, mas enviou as correções à parte. E, longe de destruir o documento, como teria sido de se esperar, o converteu em um monumento à amizade: o deu de presente e dedicou ao diretor de cinema Luis Alcoriza e sua esposa, a atriz austríaca Janet Riesenfeld: “Para Luiz e Janet, uma dedicatória repetida, mas que é a única verdadeira: do amigo que mais os ama neste mundo. Gabo. 1967.”
Radicado no México e muito próxima a Luis Buñuel, o casal fazia parte do círculo íntimo do escritor colombiano, aquele que o tinha apoiado nas épocas mais negras e com quem, nos bons tempos, ele tinha festejado a alegria de viver. O próprio autor o explicou anos mais tarde em um artigo no El País: “Quando a editora me mandou a primeira cópia das provas de impressão, eu as levei já corrigidas a uma festa na casa dos Alcoriza, sobretudo para matar a curiosidade insaciável do convidado de honra, dom Luis Buñuel, que teceu todo tipo de especulações magistrais sobre a arte de corrigir, não para melhorar, mas para esconder. Vi Alcoriza tão fascinado com a conversa que tomei a boa decisão de lhe dedicar as provas.”
O casal guardou as páginas como um objeto sagrado. Dezoito anos mais tarde, quando Cem anos de solidão já era um totem, García Márquez voltou a encontrar as provas na casa dos Alcoriza: “Janet as tirou do baú e as exibiu na sala, até que lhes disseram, como brincadeira, que com isso eles podiam deixar de ser pobres. Alcoriza então fez uma cena muito sua, golpeando-se no peito com os dois punhos e gritando com seu vozeirão bem empostado e sua determinação carpetovetônica: ‘Pois eu prefiro morrer a vender essa joia dedicada por um amigo’.” García Márquez respondeu escrevendo debaixo da dedicatória, com a mesma caneta que da primeira vez: “Confirmado. Gabo. 1985.”
Luiz Alcoriza, o exilado, morreu em 1992 em Cuernavaca. Sua esposa faleceu seis anos depois. As provas de impressão ficaram com seu herdeiro, o engenheiro e produtor Héctor Delgado, o homem que cuidou deles em seus últimos dias. Em 2001, com a concordância do Prêmio Nobel, as provas foram colocadas em leilão em Barcelona por um milhão de dólares (três milhões de reais), sem encontrar comprador. Um ano depois, tampouco foi encontrado comprador com a Christie’s. Agora, um ano após a morte de García Márquez (2015), o herdeiro, que está com 73 anos, procura quem queira adquirir as provas. A Universidade do Texas, que comprou o arquivo do escritor, se interessou, mas pouco mais que isso. Quase meio século após sua gestação, um dos poucos documentos que se salvaram da gênese de Cem anos de solidão continua a buscar um dono.
Muito já foi escrito sobre o ambiente mexicano em que nasceu sua obra máxima, sobre sua obsessão criativa, suas dificuldades econômicas, o apoio constante dos amigos. Mas muito pouco é sabido sobre a construção de Cem anos de solidão. As chaves de sua formação material, a engenharia sobre a qual o escritor edificou o universo de Macondo, continuam entre sombras. E esse mistério não foi casual. Quando recebeu o primeiro exemplar impresso, em junho de 1967, o próprio autor rasgou o original para que “ninguém pudesse descobrir os truques ou a carpintaria secreta”. Pouquíssimos documentos se salvaram daquela destruição histórica. Um deles, possivelmente o mais importante, foi a primeira cópia das provas de impressão. Sobre elas, García Márquez anotou de seu próprio punho 1.026 correções, deixando à mostra modificações e inflexões de enorme interesse.
Esses papéis, aos quais o El País teve acesso, seguiram uma trajetória acidentada. O escritor os deu de presente ao cineasta exilado Luiz Alcoriza e sua esposa, Janet. Depois da morte dos dois, foram postos em leilão duas vezes, sem encontrar comprador. Agora, esquecidos novamente, procuram uma instituição que os receba. “Prefiro que estejam em uma biblioteca ou um museu que comigo”, diz o mexicano Héctor Delgado, herdeiro dos Alcoriza.
As provas de impressão, da editora Sudamericana, somam 181 folhas duplas, numeradas à mão, com anotações do autor feitas com caneta esferográfica ou caneta marca-texto. Um olhar sobre essas anotações revela as minúcias artísticas do trabalho de García Márquez. Nelas, o autor assinala os inícios de capítulo, reordena parágrafos, suprime e acrescenta frases, substitui ou corrige mais de 150 palavras e, em muitas ocasiões, chama a atenção para erros. Nesse exercício fica evidente a exigência exaustiva do autor consigo mesmo. As modificações não visam apenas purificar o texto ou aclarar a profusão de nomes dos Buendía, mas também aprofundam seus complexos jogos de linguagem. Às vezes tratam-se de sutilezas: de “amedrontar” passa-se para “intimidar”, de “obstruir”, para “cegar”, ou de “completar” para “complementar”. Mas em outras a mão do escritor vai muito mais longe: as borboletas de tornam “amarelas”, as sanguessugas são arrancadas “queimando-as” com brasas, o troglodita é convertido em um “tosco”, as crianças andam como “sorumbáticas”, a Ópera Magna se transforma em “alquimia”, um São José de gesso descobre um interior “abarrotado de moedas de ouro” e a descarga do Mauser “desbarata”, em vez de “desarticular”, um crânio.
Alguns personagens ganham nuances novas com as observações adicionais. Amaranta, por exemplo, “finge sensação de desgosto” quando ouve falar em casamento, enquanto Aureliano vê sua “antiga piedade” transformar-se em “animadversão virulenta”. São alterações constantes. Uma chuva fina de melhorias que, sem gerar mudanças de fundo nem reviravoltas do argumento, descobrem a dimensão microscópica e tenaz de um texto de cuja grandeza o autor tinha consciência.
Possivelmente por isso, García Márquez nunca devolveu as provas de impressão à editora, mas enviou as correções à parte. E, longe de destruir o documento, como teria sido de se esperar, o converteu em um monumento à amizade: o deu de presente e dedicou ao diretor de cinema Luis Alcoriza e sua esposa, a atriz austríaca Janet Riesenfeld: “Para Luiz e Janet, uma dedicatória repetida, mas que é a única verdadeira: do amigo que mais os ama neste mundo. Gabo. 1967.”
Radicado no México e muito próxima a Luis Buñuel, o casal fazia parte do círculo íntimo do escritor colombiano, aquele que o tinha apoiado nas épocas mais negras e com quem, nos bons tempos, ele tinha festejado a alegria de viver. O próprio autor o explicou anos mais tarde em um artigo no El País: “Quando a editora me mandou a primeira cópia das provas de impressão, eu as levei já corrigidas a uma festa na casa dos Alcoriza, sobretudo para matar a curiosidade insaciável do convidado de honra, dom Luis Buñuel, que teceu todo tipo de especulações magistrais sobre a arte de corrigir, não para melhorar, mas para esconder. Vi Alcoriza tão fascinado com a conversa que tomei a boa decisão de lhe dedicar as provas.”
O casal guardou as páginas como um objeto sagrado. Dezoito anos mais tarde, quando Cem anos de solidão já era um totem, García Márquez voltou a encontrar as provas na casa dos Alcoriza: “Janet as tirou do baú e as exibiu na sala, até que lhes disseram, como brincadeira, que com isso eles podiam deixar de ser pobres. Alcoriza então fez uma cena muito sua, golpeando-se no peito com os dois punhos e gritando com seu vozeirão bem empostado e sua determinação carpetovetônica: ‘Pois eu prefiro morrer a vender essa joia dedicada por um amigo’.” García Márquez respondeu escrevendo debaixo da dedicatória, com a mesma caneta que da primeira vez: “Confirmado. Gabo. 1985.”
Luiz Alcoriza, o exilado, morreu em 1992 em Cuernavaca. Sua esposa faleceu seis anos depois. As provas de impressão ficaram com seu herdeiro, o engenheiro e produtor Héctor Delgado, o homem que cuidou deles em seus últimos dias. Em 2001, com a concordância do Prêmio Nobel, as provas foram colocadas em leilão em Barcelona por um milhão de dólares (três milhões de reais), sem encontrar comprador. Um ano depois, tampouco foi encontrado comprador com a Christie’s. Agora, um ano após a morte de García Márquez (2015), o herdeiro, que está com 73 anos, procura quem queira adquirir as provas. A Universidade do Texas, que comprou o arquivo do escritor, se interessou, mas pouco mais que isso. Quase meio século após sua gestação, um dos poucos documentos que se salvaram da gênese de Cem anos de solidão continua a buscar um dono.
fonte: Revista Prosa e Verso
Me alquilo para soñar
"La había conocido
treinta y cuatro años antes en Viena, comiendo salchichas con papas hervidas y
bebiendo cerveza de barril en una taberna de estudiantes latinos. (…)
Me pareció que era la
única austríaca en el largo mesón de madera, por el castellano primario que
hablaba sin respirar con un acento de quincallería. Pero no, había nacido en
Colombia y se había ido a Austria entre las dos guerras, casi niña, a estudiar
música y canto. En aquel momento andaba por los treinta años mal llevados, pues
nunca debió ser bella y había empezado a envejecer antes de tiempo. Pero en
cambio era un ser humano encantador. (…)
Nunca dijo su
verdadero nombre, pues siempre la conocimos con el trabalenguas germánico que
le inventaron los estudiantes latinos de Viena: Frau Frida. Apenas me la habían
presentado cuando incurrí en la impertinencia feliz de preguntarle cómo había
hecho para implantarse de tal modo en aquel mundo tan distante y distinto de
sus riscos de vientos del Quindío, y ella me contestó con un golpe:
—Me alquilo para
soñar.
En realidad, era su
único oficio. Había sido la tercera
de los once hijos de un próspero tendero del antiguo Caldas, y desde que
aprendió a hablar instauró en la casa la buena costumbre de contar los sueños
en ayunas, que es la hora en que se conservan más puras sus virtudes
premonitorias. A los siete años soñó que uno de sus hermanos era arrastrado por
un torrente. La madre, por pura superstición religiosa, le prohibió al niño lo
que más te gustaba, que era bañarse en la quebrada. Pero Frau Frida tenía ya un
sistema propio de vaticinios.
—Lo que ese sueño
significa —dijo— no es que se vaya a ahogar, sino que no debe comer dulces (…)"
("Me alquilo para soñar". Doce cuentos peregrinos - Gabriel García Márquez)
segunda-feira, 5 de março de 2018
La forma del agua
En la ambientación de la Guerra Fría de 1962 se sitúa La forma del agua, obra fílmica del cineasta mexicano Guillermo del Toro, la cual lo ha llevado a conquistar los más importantes galardones de la industria cinematográfica y a competir en 13 categorías de los Premios Oscar, mismos que se llevarán a cabo el próximo 4 de marzo.
En el departamento de limpieza de un laboratorio militar de Baltimore, EE. UU., trabaja Elisa —Sally Hawkins—, una mujer muda, mágica, tan cotidiana como etérea en sus actos. Acepta su vida y comparte la misma con su compañera de trabajo, Zelda —Octavia Spencer—, quien siempre tiene quejas de su marido, y Giles —Richard Jenkins —, su vecino, obsesionado con recuperar su empleo.
Los personajes están construidos para ser vulnerables frente a la sociedad de los años 60. Sin embargo, culminan al encontrarse entre sí, en especial cuando «La princesa sin voz» se enamora del hombre anfibio —Doug Jones—, quien es recluido en un laboratorio gubernamental secreto y su destino es ser una victima del gobierno y funcionarios.
La tragedia y el terror es Strickland —Michael Shannon—, conservador, religioso, temperamental, con miedo al fracaso y acosador; una perfecta figura estadounidense que abusa del poder. Él está al frente de la protección del proyecto que mantiene al anfibio en el laboratorio de alta seguridad, circunstancia que lo lleva a convertirse en «el monstruo que alguna vez quiso destruirlo todo».
En cada secuencia del largometraje se encuentra el mundo —sello— de Guillermo del Toro, mismo que ha desarrollado a través de sus cintas en el transcurso de su carrera como cineasta, tal es el caso de El espinazo del diablo o El laberinto del fauno, discursos que partían de lo infantil y fantástico. En esta ocasión el director y escritor se aventura una vez más con una historia que enaltece al marginado y la presenta por medio de una fabula que representa los matices de las emociones.
Del Toro atrapa al espectador con la conexión de «las relaciones humanas y el amor», la unión de los indefensos frente a circunstancias poco convencionales que los lleva a huir de la fuerza antagónica. Situación que hace del filme una obra humana, alentadora y excelsa de espíritu.
La forma del agua va más allá de las palabras, de lo evidente, rompe con los limites de la realidad y encuadra lo sustancial de una sociedad, situación que confronta al público para ser parte de una historia de romance o una critica social. Termina con la ficción y recae en la poesía del amor.
fonte: http://algarabia.com/desde-el-palco/la-forma-del-agua/
En el departamento de limpieza de un laboratorio militar de Baltimore, EE. UU., trabaja Elisa —Sally Hawkins—, una mujer muda, mágica, tan cotidiana como etérea en sus actos. Acepta su vida y comparte la misma con su compañera de trabajo, Zelda —Octavia Spencer—, quien siempre tiene quejas de su marido, y Giles —Richard Jenkins —, su vecino, obsesionado con recuperar su empleo.
Los personajes están construidos para ser vulnerables frente a la sociedad de los años 60. Sin embargo, culminan al encontrarse entre sí, en especial cuando «La princesa sin voz» se enamora del hombre anfibio —Doug Jones—, quien es recluido en un laboratorio gubernamental secreto y su destino es ser una victima del gobierno y funcionarios.
La tragedia y el terror es Strickland —Michael Shannon—, conservador, religioso, temperamental, con miedo al fracaso y acosador; una perfecta figura estadounidense que abusa del poder. Él está al frente de la protección del proyecto que mantiene al anfibio en el laboratorio de alta seguridad, circunstancia que lo lleva a convertirse en «el monstruo que alguna vez quiso destruirlo todo».
En cada secuencia del largometraje se encuentra el mundo —sello— de Guillermo del Toro, mismo que ha desarrollado a través de sus cintas en el transcurso de su carrera como cineasta, tal es el caso de El espinazo del diablo o El laberinto del fauno, discursos que partían de lo infantil y fantástico. En esta ocasión el director y escritor se aventura una vez más con una historia que enaltece al marginado y la presenta por medio de una fabula que representa los matices de las emociones.
Del Toro atrapa al espectador con la conexión de «las relaciones humanas y el amor», la unión de los indefensos frente a circunstancias poco convencionales que los lleva a huir de la fuerza antagónica. Situación que hace del filme una obra humana, alentadora y excelsa de espíritu.
La forma del agua va más allá de las palabras, de lo evidente, rompe con los limites de la realidad y encuadra lo sustancial de una sociedad, situación que confronta al público para ser parte de una historia de romance o una critica social. Termina con la ficción y recae en la poesía del amor.
«Pero
cuando pienso en ella, en Elisa todo lo que viene a mi mente es un poema. Hecho
con solo unas pocas palabras verdaderas… Susurrado por alguien enamorado, hace
cientos de años…
“Incapaz de percibir tu forma, te encuentro a mi
alrededor. Tu presencia llena mis ojos con tu amor, humilla mi corazón, porque
estás en todas partes “.»
fonte: http://algarabia.com/desde-el-palco/la-forma-del-agua/
domingo, 4 de março de 2018
Vestígios do dia
“(...) E assim começamos a voltar
para as casinhas. Enquanto seguia, senti que tinha ficado muito tarde e que meu
acompanhante estava ansioso para dormir. Passamos longos minutos andando em
volta das casinhas de novo, ele então nos conduziu até a praça da aldeia. Na
verdade era tão pequena e sem graça que nem merecia ser chamada de praça; era
pouco mais que um retalho de verde ao lado de um poste de luz solitário. Pouco
visíveis ao lado da poça de luz projetada pelo poste, havia umas lojas, todas
fechadas para a noite. O silêncio era completo, nada se mexia. Uma leve neblina
pairava acima do chão.”
(“Vestígios do dia”. Kazuo
Ishiguro - Prêmio Nobel de Literatura de 2017)
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Llorar lágrimas de cocodrilo
Es un dicho arraigado en el folclor de diversas culturas alrededor del mundo que se aplica a quienes manifiestan un comportamiento hipócrita
o no lloran de corazón.
La conseja se inspiró en la creencia generalizada de que el cocodrilo es un timador consumado, ya que, para despertar la compasión de los oyentes, animales u hombres, y atraerlos a sus dominios para devorarlos, finge el lastimoso llanto de un ser desvalido. Memorable es la sentencia que William Shakespeare expresa acerca de la falsa aflicción cocodriliana cuando Otelo, perturbado por los celos y los comentarios de su mujer Desdémona, le refiere: «¡Oh, diablesa, diablesa! Si la tierra pudiera fecundarse con lágrimas de mujer, cada gota que viertes se convertiría en un cocodrilo. ¡Fuera de mi vista!».
Por curioso que resulte, es verdad que tanto el lagrimeo como el gemir son condiciones del comportamiento cocodriliano, mas no como resultado de expresar viciosos sentimientos humanos, sino como parte de estrategias biológicas que le han valido la permanencia sobre la faz del planeta por cerca de 350 millones de años.
Por mucho tiempo se pensó que el cocodrilo llora para engañar a una potencial presa o, peor aún, después de zampársela. Pero el reptil no es ni hipócrita ni compasivo y, por consiguiente, no derrama lágrimas a causa de estas congojas. Lo que ocurre es que tiene un aparato potabilizador: sus riñones a menudo no pueden liberarse de todos los excedentes de sales que recibe el organismo y, entonces, acuden en su ayuda unas glándulas que tienen en los ojos, llamadas harderianas, a través de las cuales expulsa las sales, diluidas en agua, como si de lágrimas se tratase. También sus glándulas lagrimales producen un fluido, muy similar a nuestras lágrimas, que le ayuda a lubricar sus ojos para mantenerlos limpios y libres de bacterias.
Además, los cocodrilos sobresalen de entre los reptiles por su gran capacidad de vocalización. Los sonidos que emiten estos saurios prehistóricos varían desde las cavernosas voces que los machos emplean para cortejar a las hembras durante la temporada de apareamiento, hasta los agudos «llamados» de auxilio con que los recién nacidos avisan a la madre que acaban de salir del cascarón o que se encuentran bajo amenaza.
Posiblemente estas voces cocodrílicas fueron interpretadas en el pasado como lastimosos gemidos de engaño porque, desde la insidiosa perspectiva humana, solamente la hipocresía puede expelerse del interior de un depredador consumado cuyo único propósito en la vida es saciar su permanente sed de sangre y carne.
No cabe duda que en la construcción de este singular proverbio, interviene más el mito que la realidad. La mitificación que los humanos han hecho de los reptiles o de su comportamiento, se resume perfectamente en las palabras que Herbert Wendt utilizó para explicar por qué los hechos reales de la naturaleza se ocultan tras el velo de sucesos fabulosos contenidos en proverbios, refranes, apotegmas, mitos y leyendas: en las personas de todos los tiempos y todas las culturas, invariablemente «su fantasía funcionaba mejor que su vista —y hasta que su oído— […]»
La conseja se inspiró en la creencia generalizada de que el cocodrilo es un timador consumado, ya que, para despertar la compasión de los oyentes, animales u hombres, y atraerlos a sus dominios para devorarlos, finge el lastimoso llanto de un ser desvalido. Memorable es la sentencia que William Shakespeare expresa acerca de la falsa aflicción cocodriliana cuando Otelo, perturbado por los celos y los comentarios de su mujer Desdémona, le refiere: «¡Oh, diablesa, diablesa! Si la tierra pudiera fecundarse con lágrimas de mujer, cada gota que viertes se convertiría en un cocodrilo. ¡Fuera de mi vista!».
Por curioso que resulte, es verdad que tanto el lagrimeo como el gemir son condiciones del comportamiento cocodriliano, mas no como resultado de expresar viciosos sentimientos humanos, sino como parte de estrategias biológicas que le han valido la permanencia sobre la faz del planeta por cerca de 350 millones de años.
Por mucho tiempo se pensó que el cocodrilo llora para engañar a una potencial presa o, peor aún, después de zampársela. Pero el reptil no es ni hipócrita ni compasivo y, por consiguiente, no derrama lágrimas a causa de estas congojas. Lo que ocurre es que tiene un aparato potabilizador: sus riñones a menudo no pueden liberarse de todos los excedentes de sales que recibe el organismo y, entonces, acuden en su ayuda unas glándulas que tienen en los ojos, llamadas harderianas, a través de las cuales expulsa las sales, diluidas en agua, como si de lágrimas se tratase. También sus glándulas lagrimales producen un fluido, muy similar a nuestras lágrimas, que le ayuda a lubricar sus ojos para mantenerlos limpios y libres de bacterias.
Además, los cocodrilos sobresalen de entre los reptiles por su gran capacidad de vocalización. Los sonidos que emiten estos saurios prehistóricos varían desde las cavernosas voces que los machos emplean para cortejar a las hembras durante la temporada de apareamiento, hasta los agudos «llamados» de auxilio con que los recién nacidos avisan a la madre que acaban de salir del cascarón o que se encuentran bajo amenaza.
Posiblemente estas voces cocodrílicas fueron interpretadas en el pasado como lastimosos gemidos de engaño porque, desde la insidiosa perspectiva humana, solamente la hipocresía puede expelerse del interior de un depredador consumado cuyo único propósito en la vida es saciar su permanente sed de sangre y carne.
No cabe duda que en la construcción de este singular proverbio, interviene más el mito que la realidad. La mitificación que los humanos han hecho de los reptiles o de su comportamiento, se resume perfectamente en las palabras que Herbert Wendt utilizó para explicar por qué los hechos reales de la naturaleza se ocultan tras el velo de sucesos fabulosos contenidos en proverbios, refranes, apotegmas, mitos y leyendas: en las personas de todos los tiempos y todas las culturas, invariablemente «su fantasía funcionaba mejor que su vista —y hasta que su oído— […]»
Texto tomado de Algarabía 71
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018
Um céu todo estrela
então
se fez fonte
o que
só era toque.
um céu
todo estrela
no
encontro dos olhos,
um
fulgor que enlaça
a
calmaria da febre
onde o
tempo se despe
e a
carne clama um ato
ainda
sem nome
***
procura-se
o desassossego
das
horas inquietas e úmidas,
a
violada canção sagrada
a arder
em desertos diários.
procura-se
o incerto,
a
secura ilhada do silêncio,
o tédio
das cidades fantasmas,
os
caminhos sem saídas,
a
íntima falta
que a
memória não dissipa.
procura-se
a mina – os passos
correm
o campo, descalços:
a
explosão única e precisa,
a
limítrofe errância
entre o
plano e o precipício.
procura-se
a voraz vertigem,
o
sagrado impregnado do profano,
a
humana redenção à vida.
procura-se
o maior abismo
escavado
no coração da terra,
do céu,
no peito do aflito,
o fogo
mais intenso e quase extinto,
o
manancial do delírio,
a hora
em que deflora a flor
o
inseto e tudo é lindo.
procura-se
a loucura, o delíquio:
tudo
aquilo a que o amor se lança
fingindo
não temer o risco
***
ubuntu,
meu
coração desafia
não ser
um.
juntos,
compartir o fruto.
nem
mesmo as mãos
são só
duas, quando estendidas
ao
futuro.
bem
mais em mim que o dobro
em
tudo, revoluz, vislumbro o todo
e pó,
que sou, solto pelo mundo.
seguem
as dunas
e não
duram eternas ao vento.
à
margem do mar, marejado olhar suspenso,
aconchega
a ilusão de um mundo tão pequeno;
até
correr, pés, utopia, o espaço incalculável
do
universo, quando esquecemos o tempo:
cemitério
indesvendável do nada
***
canto,
mesmo
que o canto
não
compreenda
os
ossos todos dos ecos,
nem
saiba
o
sibilino mistério do assombro
de se
evocar, em poucas palavras,
o mesmo
e o novo,
como a
água evoca a água
o ar o
ar a terra a terra
o fogo
o fogo a mulher a vida.
gesto o
canto mesmo quando
pareço
silêncio
***
como se
a casa fosse
de sua
alma erigida,
sobre a
forma que trouxe
à luz a
sua própria vida,
é nessa
casa que habita
meu ser
que se recria:
sobre a
forma que trago,
de
minha alma ser a casa
onde
nosso amor cultiva
uma
troca de moradas,
que é a
mesma casa,
a vida
***
agora o
pouco
é tudo
o que
nos resta.
agora é
tudo.
é muito
pedir
pouco.
agora
resta
a vida
e seus outros mistérios,
sua
presença constante
e a
fuga sempre certa
do
tempo.
agora
tudo
é
o que nos resta
(“Um céu todo estrela” - Alex Dias)
Alex Dias é poeta, ator
e gestor cultural. Autor dos livros de poesia Lírica Abissal,
lançado pela editora Urutau (2016) e Um céu todo estrela, lançado
pela editora Patuá (2017), é Coordenador de Programação do Sesc Birigui e
mestrando em Teorias e Crítica da Poesia, pelo Programa de Pós-Graduação em
Estudos Literários da UNESP de Araraquara, com a pesquisa: Construção e
utopia na poesia de invenção. Tem pós-graduação em “Gestão Cultural:
Cultura, Desenvolvimento e Mercado” (2016). Possui graduação em Ciências da
Informação e da Documentação e Biblioteconomia pela USP de Ribeirão Preto
(2006). Fundou e dirige a empresa Osnáuticos – de Arte, Cultura e Educação –
onde desenvolve projetos que englobam poesia, literatura, cinema, música e
artes cênicas e visuais. Também fundou e coordena o "Poéticas –
Laboratório de pesquisa e Criação Literária e Poética" e o projeto
"Bagagem... Poesia!", voltado à mediação de leituras. Fez Magistério
(2002) em São José do Rio Preto.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Quarta-Feira de Cinzas
“Naquele dia, a cidade ainda
dormia ou ia se levantando lentamente. Apesar de São Paulo se vangloriar de ser
o maior centro industrial da América Latina, como anunciavam seus vermelhos
bondes ‘camarão’, o silêncio e a modorra se explicavam: não se tratava de uma
quarta-feira qualquer, e sim de uma Quarta-Feira de Cinzas, após três dias de
carnaval.
Mas nem tudo estava parado. Os
lixeiros percorriam as ruas, recolhendo os restos da folia no centro da cidade.
Cacos de vidro de lança-perfumes, serpentinas emaranhadas, garrafas de cerveja,
iam sendo lançados nos caminhões de lixo, embora fosse difícil apagar todos os
vestígios de uma festa que introduzira uma cunha brejeira na marcha cotidiana
da cidade sisuda.
Dentre os vestígios, os confetes
coloridos teimaram em ficar grudados ao asfalto, resistindo às vassouras dos
lixeiros até que fossem arrastados pelas chuvas fortes de verão.”
(“O Crime do Restaurante Chinês”
- Boris Fausto)
terça-feira, 6 de fevereiro de 2018
“A cadela do fascismo continua no cio”
… Assim falava Bertoldt Brecht em
sua célebre frase. Todos sabemos que os tempos de hoje são tempos favoráveis às
criaturas sombrias. O grande cineasta George A. Romero, pai dos filmes de
zumbis, morreu há pouco tempo, mas nos deixou de herança esta simbologia dos
mortos-vivos e vivos-mortos. O que retorna do túmulo permanece vivo, mas agora
é vivo-morto. A cinematografia recente vem trazendo nas suas representações os
efeitos drásticos de se viver numa terra arrasada por zumbis. Estas duas
imagens ilustram o retorno do ódio neste período recursivo da história, do ódio
que mora no coração dos homens e que retorna como super bactéria, se alastrando
pelo ressentimento cíclico ou por uma nova forma vil e gratuita de contaminação
via redes sociais.
No Brasil, estamos vivendo tempos
de terra arrasada, tempos de exceção, tempos de perda da nossa democracia – tão
jovem – junto à plena perda de direitos duramente conquistados por anos de luta
e desassossego dos oprimidos, dos que estavam e ainda estão nos movimentos
sociais, nos movimentos feministas e no feminismo negro, nos movimentos negros,
quilombolas, indígenas, LGBTs.
Mas, para lembrar um filme bem
brasileiro, é “ódiquê”? É o ódio ao povo, ódio ao negro, mas principalmente
ódio à negra – que chegou ao ensino superior, à pós-graduação, ao Miss Brasil.
É ódio aos nordestinos e mais ódio às nordestinas com suas “caras de
empregadinhas”. O ódio às negras e nordestinas pobres que recebem o Bolsa
Família e se recusam a voltar para as cozinhas sofisticadas dos
neocolonialistas, que se recusam a trabalhar sem direitos nas novas senzalas.
O ódio da classe média-medíocre é
o ódio às políticas públicas, às universidades que, na visão distorcida dos que
odeiam, criaram cotas que facilitaram a entrada dos pobres, negros,
nordestinos, a confluência de todas as margens para um lugar não destinado a
elas: a mobilidade social. É o ódio tacanho, torpe, que mata e violenta todos
os dias – os homossexuais, as mulheres, a juventude negra, as crianças pobres –
e que vai num crescendo se formando enquanto avalanche e genocídio.
Quantas pessoas já foram assassinadas
no Brasil em 2017? Quantas delas eram negras? E no mundo? Quantas eram
imigrantes? Quantas eram mulheres? Quantas eram crianças? Há uma relação muito
estreita entre neocapitalismo, racismo, xenofobia e a negação dos excluídos.
Declarar guerra aos pobres e aos indesejáveis é o tipo de absurdo que se pauta
nas mesmas justificativas sempre utilizadas pelas classes dominantes para punir
os considerados fracos e elimináveis: prender, vigiar, negar a existência. E se
nada disso der certo – caçá-los com cães, matar e tirar da vista. Nas palavras
de Foucault, no clássico Vigiar e Punir:
“Apresentá-los
como bem próximos, presentes em toda parte e em toda parte temíveis. É a função
do noticiário policial que invade parte da imprensa e começa a ter seus próprios
jornais. A notícia policial, por sua redundância cotidiana, torna aceitável o
conjunto dos controles judiciários e policiais que vigiam a sociedade.”
É preciso sempre lembrar que esse
discurso mata. Dizer no programa de televisão que “bandido bom é bandido morto”
mata. Esta semente diária do ódio que nasceu da injustiça social, assim como o
desejo de massacre contínuo, a permanente ideia de eliminação do outro, todos
esses elementos de ódio vão se tornando parte do nosso cotidiano e, como bem
diz Foucault, vão tornando o discurso palatável, aceitável. Os elimináveis são
apresentados aqui como parte temível. Eliminar faz parte do jogo que migra do
discurso para a banalização da ação. A julgar pelo que vejo neste jogo do
fascismo, logo avançaremos uma casa e chegaremos ao “pobre bom é pobre morto”.
Mas de quantos mortos precisamos
para fazer uma guerra?
Intolerância. Ódio. Falta de
empatia. Fundamentalismo religioso. Homofobia. Machismo e Feminicídio.
Radicalismo conservador. Há muito para se refletir sobre esses atos de
violência e barbárie. As práticas discursivas da atualidade e o desejo
paradoxal de empatia em tempos individualistas, de completa indiferença, além
da alienação do outro nos torna testemunhas do estrangulamento do humanismo em
mídias públicas.
Vivemos em tempos de cyber-sociedade.
Quando algo da natureza do ódio estrutural acontece, como vírus em termos de
rapidez e descarte, vai se tornando difícil encontrar, desenvolver qualquer
código de compreensão da alteridade. Não falo em ética, algo mais profundo na
escala do conhecimento. Falo de discernimento e compreensão, porque é o mínimo
que deveria emergir dessa esfera mais à derme do humano. Também não falo em
humanismo, outra demanda importante, mas ainda vista pelo conceitual.
Quero falar da compreensão mínima
do outro que está na base primeira do viver-com, do conviver. Compreensão como
ação cotidiana, a da rotina mais usual entre os seres humanos. A compreensão da
palavra, do gesto, da pessoa. Penso nessas relações líquidas, frágeis, instantâneas
das novas sociabilidades que giram nas mídias sociais, e vejo o desrespeito
total ao que é diferente, linchamentos virtuais e o ódio disseminado através de
mensagens viralizadas que só causam mais dor e mais violência. O ódio e o
ressentimento sempre existiram, mas a dinâmica das redes sociais ligou os
pontos dos extremos, amplificou, tirou do armário os que ainda tinham certo
constrangimento de expor o machismo, o fascismo, o racismo, a homofobia, a
transfobia, a xenofobia etc.
Culpabilizar o outro por seu
isolamento cultural ou social, culpabilizar pela desterritorialização,
migração, imigração, exílio é o estopim do que há de pior nas ações de ódio.
Quando os fascistas das manifestações se unem aos pseudomoderados do discurso,
aqueles que odeiam estruturalmente deixam suas casas e constroem com as
próprias mãos novos guetos, outros campos de exclusão e extermínio, outras
fronteiras.
Com quantos ódios fazemos uma
guerra? Com quantas guerras alimentaremos tanto ódio?
Patricia de Cassia Pereira Porto
Mestre em Educação no Campo de Confluência dos Estudos do Cotidiano e da Educação Popular (ECEP/2004). Doutora em Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação (PPMIE/2009). Professora Universitária. Coordenadora de Projetos Educacionais. Escritora. Sobre a autora, veja também: "Cabeça de Antígona" (Ed. Reformatório)
“A tradução é uma forma de possessão”
António Sousa Ribeiro foi distinguido com o Grande Prémio de Tradução
Literária pela tradução de “Os Últimos Dias da Humanidade”, de Karl Kraus. “As
línguas são incomensuráveis. São diferentes, portanto, à partida, a tradução é
impossível. Toda a tradução assenta neste paradoxo da intraduzibilidade”, diz o
investigador.
Traduz nas horas vagas. São as horas em que deixa de ser professor,
coordenador de doutoramentos, investigador no Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra, e passa a ser um tradutor, isto é, alguém que luta com
a impossibilidade da sua própria tarefa, com a imperfeição, com o indizível. No
caso de uma obra como "Os Últimos Dias da Humanidade", de Karl Kraus,
com que ganhou no mês passado o Grande Prémio de Tradução Literária, da
Associação Portuguesa de Tradutores (APT), as horas têm de ser imersivas, quase
obsessivas. São centenas de páginas, 210 cenas de um texto dramático impossível
de ser totalmente representado. São horas e horas a pensar na forma como uma
sociedade pode aderir à violência. É a grande obra sobre a Primeira Grande
Guerra e marca o fim de uma era, possivelmente o princípio da nossa, em que
adquirimos novas tecnologias, mas mantemos velhas ideias sobre heroísmo e velhos
ódios.
1. São 210 cenas, 700 páginas na edição alemã. Consegui, com a
colaboração da Antígona, publicar uma edição de cenas seleccionadas em 2003. Há
muito tempo que tinha o projecto de traduzir toda a obra, mas ninguém traduz
uma obra deste tipo para a gaveta. Quando o Teatro Nacional de São João decidiu
avançar com o projecto [de encenar "Os Últimos Dias da Humanidade"],
contactaram-me para traduzir o que faltava. Era ainda muito, cerca de metade.
Traduzir é um trabalho fascinante. A minha dificuldade era satisfazer as minhas obrigações, que não são poucas, como investigador e docente, quando muitas vezes o que me apetecia era estar fechado em casa a traduzir.
Traduzir é um trabalho fascinante. A minha dificuldade era satisfazer as minhas obrigações, que não são poucas, como investigador e docente, quando muitas vezes o que me apetecia era estar fechado em casa a traduzir.
É preciso uma imersão. Uma pessoa tem de estar quase possuída por
aquelas vozes. Eu andava pela casa a recitar aqueles vozes. É uma forma de
possessão. Uma pessoa tem de estar possuída pelo texto original para depois,
pouco a pouco, ir construindo o que o texto pode ser noutra língua.
As línguas são incomensuráveis. Portanto, à partida, a tradução é
impossível. Toda a tradução assenta neste paradoxo da intraduzibilidade.
Quando falo de tradução aos meus alunos, começo por lhes dizer que, na
raiz de todo o acto de tradução, está a impossibilidade da tradução. Porque as
línguas são incomensuráveis. São diferentes, portanto, à partida, a tradução é
impossível. Toda a tradução assenta neste paradoxo da intraduzibilidade. Para
mim, a tradução é quase uma luta. Luta para quê? Para vencer este pressuposto
da intraduzibilidade.
Uma tradução é uma reescrita. Como costumo dizer, a versão portuguesa
de "Os Últimos Dias da Humanidade" é de Karl Kraus e minha. Há um
autor americano de estudos de tradução que tem um livro justamente sobre a
invisibilidade do tradutor, sobre concepções de tradução em que o tradutor se
torna invisível, como se o texto, por um milagre qualquer, passasse de uma
língua para outra. O tradutor está lá e o tradutor não se limita a servir de
ponte. O tradutor interfere.
Existir um prémio de tradução é bom, justamente para vencer esta
invisibilidade. São muito poucas ainda as editoras que colocam o nome do
tradutor na capa do livro. Muitas vezes, o nome do tradutor aparece num sítio
qualquer, semi-envergonhado.
2. Desde 1989, Kraus publicava a sua própria revista. No início, era
uma revista como outras, com vários autores a colaborar, mas a partir de
determinado momento ele escreve a revista sozinho. São muitos milhares de
páginas. Desde muito cedo, ele tinha desenvolvido na revista uma técnica que
podemos chamar de glosa documental, isto é, a citação seja de um texto de
imprensa, seja de um texto literário, seja de uma entrevista, do que for. Ele
pegava num fragmento, por exemplo, de uma notícia de jornal e trabalhava-o do
ponto de vista de sublinhar aquilo que nessa notícia era revelador do estado de
uma época, do estado de uma sociedade. Ele tinha aperfeiçoado esta técnica já
num contexto de guerra, durante a guerra dos Balcãs de 1911-1912. Tinha
acompanhado de perto a forma como a imprensa austríaca cobria a guerra nos
Balcãs e tinha encontrado exemplos perfeitamente chocantes de insensibilidade
perante o sofrimento e de promoção do ódio belicista.
Alguns textos dele, de 1911 e 1912, são reproduções de notícias de
jornal, que num novo contexto da revista se tornam reveladoras dessa violência.
Na verdade, o que ele faz em "Os Últimos Dias da Humanidade" é levar
esta técnica até às últimas consequências. Ele começou a escrever a peça em 1915,
muito perto do início da guerra, e foi escrevendo e incorporando muitos dos
textos que ia publicando na revista e que transformava em cenas. Há cenas
inteiras de citações. Por exemplo, as cenas em que aparece uma jornalista, que
foi a primeira jornalista mulher acreditada como correspondente de guerra. Os
textos que ela enviava da linha frente eram um chorrilho de lugares-comuns. Ela
chega junto do cabo artilheiro e pergunta: "Como é que se sente? Diga-me o
que lhe vai no íntimo." Explora o lado sentimental, muito a partir de uma
ideia de herói e de uma visão romântica da guerra. A jornalista aparece como
uma personagem e o que a personagem diz corresponde ao texto dos seus folhetins
jornalísticos.
Há, no trabalho de Kraus, uma preocupação documental e, como os documentos não paravam de chegar, porque os jornais publicavam-se todos os dias, porque as conversas de rua que ele ouvia e reproduzia, se produziam todos os dias, a peça ia crescendo. Em 1919, publicou uma primeira versão e, em 1922, uma segunda versão mais extensa. Perto do final dos anos 1920, ele diz o seguinte: deixei mil cenas que ficaram por escrever, aqui vai mais uma. Podia-se sempre acrescentar. A realidade não deixava de fornecer motivos permanentes de indignação.
3. Há uma frase famosa de Paul Valéry que diz: depois dessa guerra, a civilização europeia ficou a saber que era mortal.
Há, no trabalho de Kraus, uma preocupação documental e, como os documentos não paravam de chegar, porque os jornais publicavam-se todos os dias, porque as conversas de rua que ele ouvia e reproduzia, se produziam todos os dias, a peça ia crescendo. Em 1919, publicou uma primeira versão e, em 1922, uma segunda versão mais extensa. Perto do final dos anos 1920, ele diz o seguinte: deixei mil cenas que ficaram por escrever, aqui vai mais uma. Podia-se sempre acrescentar. A realidade não deixava de fornecer motivos permanentes de indignação.
3. Há uma frase famosa de Paul Valéry que diz: depois dessa guerra, a civilização europeia ficou a saber que era mortal.
Havia esta sensação de cesura, de fim de uma época. O historiador Eric
Hobsbawm, que tinha origem austríaca, diz que na família dele, quando falavam
dos anos da paz, referiam-se aos anos antes da Primeira Guerra Mundial, porque
os anos que mediaram entre a Primeira e a Segunda Guerra já não eram anos da
paz.
Era uma época que se tinha encerrado definitivamente e tinha começado
uma crise que depois desemboca no nazismo, no fascismo, nos nacionalismos
europeus e na Segunda Guerra Mundial e no Holocausto.
O tradutor está lá e o tradutor não se limita a servir de ponte. O
tradutor interfere. (...) São muito poucas ainda as editoras que colocam o nome
do tradutor na capa do livro.
O Kraus teve a presciência de perceber isso mesmo, de uma maneira
muito mais lúcida do que possivelmente a maior parte dos seus contemporâneos.
Kraus captou muito bem a modernidade da guerra. Kraus chamou à guerra a
aventura técnico-romântica. Captou perfeitamente o momento em que a ciência e a
técnica estavam a ocupar o lugar decisivo. Hoje, um combatente pode ser alguém
que está em Los Angeles a manipular um drone.
Uma guerra tecno-romântica é uma guerra que é desenvolvida com todos
os meios da tecnologia moderna, mas que preserva uma aura romântica e ideias de
heroísmo, que são completamente falsas, mas que, no fundo, são as ideias que
continuam a ser mobilizadas para que as pessoas aceitem a sua condição de
combatentes e sejam levadas a cometer crimes.
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