quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O meu espanhol... ¡como turco en la neblina!





Você já esteve mais “perdido do que cachorro que caiu do caminhão de mudança”? Ou “pior que cego em tiroteio”? “Sem saber se casa ou se compra uma bicicleta”?

Então fique tranquilo, isso acontece com todo mundo! Até as pessoas mais sensatas, um dia já se sentiram “como turco en la neblina”.

A pitoresca expressão idiomática espanhola, “como turco en la neblina”,  é empregada para designar qualquer pessoa que esteja desorientada, confusa, perdida e decorre de uma série de derivações: na Espanha a palavra turca passou a ser usada, popularmente, para designar “bebedeira” (borrachera). Isso aconteceu porque o vinho puro, sem adição de água, era chamado vinho mouro, ou vinho turco, ou seja, não era “batizado”!

Assim, as carraspanas ganharam o nome de turcas. Também, por isso, costuma-se dizer “agarrarse una turca”, que nada tem a ver com um ato de violência contra a mulher! Nada disso! Muito menos com o que os argentinos chamam de “hacer una turca”... Enfim!

Já a transposição da palavra turca para o masculino turco ocorreu, espontaneamente, com o tempo, pelo uso popular.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Palavras intraduzíveis

Texto de Diana Margarita.
 
 
A intraduzibilidade é a peculiaridade de um texto ou de uma expressão numa determinada língua para os quais não se pode encontrar um texto ou expressão equivalente em outra língua.

Segundo Paul Ricoeur, a língua tem propensão ao “enigma, ao artifício, ao hermetismo, ao secreto”. O conceito de intraduzibilidade é real e devidamente motivado. Como traduzir literaturas forjadas em línguas cujas sintaxes não se ajustam, cujos vocabulários não se encaixam, cujos ritmos pulsam em cadências assíncronas, cujos signos remetem a imagens que parecem desencontrar-se? Pior: como traduzir se o humor que flutua sobre o texto, nos entremeios do texto - lubrificando com frouxos sentidos o espaço entre as palavras - não encontra eco na língua de chegada?

Esse conceito aplica-se principalmente ao texto literário, à poesia, aos trocadilhos e às expressões idiomática. Paulo Rónai quando comentou sobre a traduzibilidade e a intraduzibilidade de textos literários; disse ele: “todo texto literário é fundamentalmente intraduzível por causa da própria natureza da linguagem. (...) [A]s palavras isoladas não têm sentido em si mesmas: a sua significação é determinada pelo respectivo contexto”. Ocorre que o contexto cultural no qual a palavra foi utilizada na língua-fonte não será o mesmo encontrado na língua-alvo.

A língua é um sistema que representa a forma particular como um povo vê o mundo, sua idiossincrasia. Cabe ao tradutor experiente reconhecer as palavras ou expressões intraduzíveis e utilizar de técnicas e procedimentos que permitam preencher essas lacunas.

Friedrich Nietzsche disse uma vez que “as palavras são apenas símbolos para as relações das coisas umas com as outras e conosco. Nada que exprima a verdade absoluta”.

No livro “Through The Language Glass”, Guy Deutscher tenta entender as lacunas deixadas por palavras de diferentes culturas que não têm tradução. Confira alguns exemplos:

Do alemão, Waldeinsamkeit - Um sentimento de solidão, de estar sozinho na floresta e uma conexão com a natureza.

Do italiano, Culaccino - marca deixada sobre uma mesa por um vidro frio. Quem diria que a condensação pode soar tão poética?

Do esquimó, Iktsuarpok - sentimento de antecipação que o leva a sair e verificar se alguém está chegando, e, provavelmente, também indica um elemento de impaciência.

Do japonês, Komorebi - nome dado à luz do sol filtrada pelas folhas das árvores.




Do russo, pochemuchka - alguém que faz um monte de perguntas. Todos conhecemos um desses.

Do espanhol, Sobremesa - esta palavra é de origem espanhola e nada tem a ver com doces. Os espanhóis tendem a ser um grupo social e termo serve para indicar o tempo que passamos conversando à mesa após o término da refeição.

Do indonésio, Jayus – é uma gíria para alguém que conta uma piada tão mal, que é tão sem graça que você não pode deixar de rir em voz alta.

Do havaiano, Pana Po´o - sabe quando você se esquece de onde você colocou as chaves, e você coça a cabeça porque de alguma forma parece que esse gesto o ajuda a lembrar? Esta é a palavra para isso.

Do francês, Dépaysement – é o sentimento decorrente de não estar em seu país de origem - de se sentir estrangeiro numa cultura diferente.

Do urdu, Goya - urdu é a língua nacional do Paquistão, mas é também uma língua oficial em cinco dos estados indianos. reflete o estado de contemplação e incredulidade que se tem diante de uma boa narrativa.

Do sueco, Mångata - Termo que indica o caminho iluminado que a luz da lua desenha na água.

Acrescentemos a essa lista nossa querida e melancólica “saudade” que descreve o vazio e a tristeza que sentimos de alguém ausente, de alguma coisa, de algum lugar ou de algum momento que vivemos.


  
 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Curso on-line com o Prof. Carlos Nougué

Por uma Filosofia Tomista
Curso on-line de 60 horas ministrado por
Carlos Nougué


 “A felicidade última do homem está na contemplação da Verdade.”
Santo Tomás de Aquino

[Comunicado 1]
Em meados de outubro deste ano, estará disponível em site próprio o Curso on-line Por uma Filosofia Tomista, de 60 horas (o equivalente a um curso de extensão universitária).

DADOS GERAIS DO CURSO

1) O Curso se dividirá em 30 vídeos-aula de 2 horas cada uma.
2) Todos os vídeos-aula estarão gravados antes do início do Curso, mas só se postarão no site dois por semana, por óbvias razões didáticas. Permanecerão todos no site até cinco meses depois do início do Curso. (Informar-se-á oportunamente o endereço do site.)
3) Haverá, ademais, ao longo dos mesmos cinco meses, vídeos-aula extras, de duração variada, com a resolução das dúvidas enviadas pelos alunos ao e-mail cursos@carlosnougue.com.br. (É também a este e-mail que se deve escrever para solucionar quaisquer outras dúvidas relativas ao Curso. Neste caso, responderá nosso responsável operacional: Marcel Assunção Barboza.)
4) Os vídeos estarão em nosso site em duas versões: uma de alta resolução; a outra de resolução um pouco inferior, para os alunos cujo computador não suporte a primeira.  
5) Na seção Material de Estudos do site, fornecer-se-ão também textos, outros vídeos e bibliografia.  
6) O Curso fornecerá certificado (particular) ao fim dos cinco meses.

EMENTA DO CURSO

I) Apresentação geral: A necessidade de uma Filosofia tomista.
II) Preâmbulo 1: Resumo da História da Filosofia – Do impulso grego ao abismo moderno.
III) Preâmbulo 2: Se Santo Tomás era filósofo e/ou teólogo.
IV) Preâmbulo 3: A essência da doutrina de Santo Tomás, ou se o tomismo é um aristotelismo.
V) Preâmbulo 4: Como estudar a Filosofia, e em ordem a quê.
VI) Introdução geral à Filosofia, ou seja, a seus conceitos elementares (já aqui se implicam noções da Lógica, da Física e da Metafísica):
1) O que é conhecer 2) O ente e os primeiros princípios; 3) A quididade das coisas; 4) O essencial e o acidental; 5) Substância e acidentes; 6) A questão do an sit; 7) Ente e esse (ser ou ato de ser); esse e existência – uma primeira aproximação; 8) Divisão e definição; 9) Se os acidentes são entes e têm quididade; 10) Se as coisas artificiais têm quididade.
VII) Introdução à Lógica:
1) A simples apreensão; 2) As propriedades das coisas; 3) O juízo ou composição; 4) As causas; 5) O silogismo; 6) Em defesa da Lógica; 7) Se a Lógica é arte ou ciência; 8) As propriedades da Lógica; 9) O método da Lógica; 10) Lógica e Gramática.
VIII) Intermédio: A ordem das ciências e das artes.
IX) Introdução à Física geral:
1) O que é a natureza; 2) Os princípios da natureza: ato e potência, etc.; 3) O sujeito da Física Geral; 4) Existência e esse – segunda aproximação; 5) Em defesa da Física Geral aristotélico-tomista; 6) Se e em que caducou esta ciência; 7) O método da Física Geral; 8) Que classe de ciência é a Física moderna; 9) O que pensar da Biologia, da Psicologia, etc., atuais; 10) Uma crítica a Jacques Maritain.
X) Introdução à Metafísica:
1) Se tal ciência existe ou é válida ou necessária; 2) O sujeito da Metafísica; 3) Ente e esse – segunda aproximação; 4) As propriedades da Metafísica; 5) O método da Metafísica; 6) Diferença entre Teologia (ou Metafísica) e Sacra Teologia, e se elas se opõem; 7) As provas da existência de Deus; 8) O tratado de Deus uno.
XI) Apêndices:                                                                               
1) Os transcendentais; 2) Se o mal é algo; 3) A alma humana e sua imortalidade; 4) A Política e sua ordem ao Fim último do homem; 5) O mundo poderia ter sido criado ab aeterno (desde a eternidade)?

CURRÍCULO DE CARLOS NOUGUÉ

I) Dados pessoais:
Nome: Carlos (Augusto Ancêde) Nougué;
Nacionalidade: brasileira;
Idade: 61 anos.
II) Qualificações profissionais:
1) Professor de Filosofia por diversos lugares;
2) Professor de Tradução e de Língua Portuguesa em nível de Pós-graduação (UGF);
3) Tradutor de Filosofia, Teologia e Literatura (do francês, do latim, do espanhol e do inglês);
4) Lexicógrafo.
III) Prêmio e indicações para prêmio:
• Prêmio Jabuti de Tradução/1993;
Indicação ao Prêmio Jabuti/1998;
• Finalista do Prêmio Jabuti/2005 pela tradução de D. Quixote da Mancha, de Miguel de Cervantes (edição oficial do Quarto Centenário da edição princeps).
IV) Responsável pelos seguintes blogs:

SUBSCRIÇÃO PARA O CURSO

1) Valor total:
a) ou R$ 300,00 em até 6 parcelas sem juros no cartão de crédito;
b) ou R$ 280,16 por pagamento à vista mediante débito on-line ou boleto bancário.
Observação: Ambas as formas de pagamento se farão, em nosso próprio site, mediante o PagSeguro.
2) Ao pagarem, os alunos-subscritores receberão automaticamente uma senha de acesso aos vídeos-aula (regulares e extras) e ao material de estudo.
3) O período de subscrição começará entre três a duas semanas antes do início do Curso.
Observação geral 1: Até o fim de setembro próximo, informar-se-á a data efetiva do início do Curso.
Observação geral 2: Até o início do Curso, enviar-se-á semanalmente novo comunicado à mesma mailing list.

*  *  *

> Veja-se o Vídeo de Apresentação do Curso (http://youtu.be/0IETeM0vu0c).

___________
Uma iniciativa conjunta
Central de Cursos Contemplatio
Associação Cultural Santo Tomás

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O meu espanhol... ¡Hay más días que longaniza!

<<Tenemos un mes para visitar París, o sea, que no vamos a ver todo em uma semana, que hay más días que longaniza.>>



O dito popular é pouco usado e recomenta economia e paciência. Aconselha saber esperar a situação mais propícia para fazer algo; ser cauteloso e não precipitar os acontecimentos. Ou seja, o nosso famoso: A vida não é feita de um dia!

Este provérbio teria origem "gastronômica"! Sim, porque alude à necessidade de poupar a comida em época de escassez. Com este sentido é encontrado nas obras do Marqués de Santillana (1398-1458) e Sebastián de Covarrubias.

(fontes: Centro Virtual Cervantes - Academic Dicionários e Enciclopédias)




terça-feira, 13 de agosto de 2013


O mel silvestre
Horacio Quiroga
 

Tradução: Renata C.B. Moreno.
Conto extraído da antologia “Cuentos de amor locura y de muerte”, publicada em 1917.

 


Tenho em Salto Oriental dois primos, hoje homens já, que aos seus doze anos, e em consequência de profundas leituras de Júlio Verne, deram na rica empreitada de abandonar sua casa para ir viver no monte. Este fica a duas léguas da cidade. Ali viveriam primitivamente da caça e pesca. Verdade é que os dois meninos não tinham lembrado, particularmente, de levar espingardas nem anzóis; mas, de qualquer maneira, o bosque estava ali, com sua liberdade como fonte de felicidade, e seus perigos como encanto.

Desgraçadamente, no segundo dia foram achados por quem os buscava. Estavam bastante atônitos ainda, bem fracos, e para grande assombro de seus irmãos menores – iniciados também em Júlio Verne – sabiam ainda andar em dois pés e recordavam como falar.

A aventura dos dois ermitões, no entanto, seria talvez mais formal se tivessem tido como teatro outro bosque menos domingueiro. As escapadelas levam aqui a limites imprevistos em Misiones, e o orgulho de suas stromboot[I1  arrastou Gabriel Benincasa a esses limites.

Benincasa, tendo concluído seus estudos de contadoria pública, sentiu fulminante desejo de conhecer a vida na selva. Não foi arrastado por seu temperamento, pois antes Benincasa era um rapaz pacífico, gorducho e de cara rosada, em razão de sua excelente saúde. Em consequência, sensato o suficiente para preferir um chá com leite e bolinhos a quem sabe que fortuita e infernal comida do bosque. Mas assim como o solteiro que foi sempre ajuizado  crê no seu dever de, à véspera de seu casamento,  despedir-se da vida livre com uma noite de orgia em companhia de seus amigos, de igual modo Benincasa quis honrar sua vida engrenada com dois ou três choques de vida intensa. E por este motivo subia o Paraná até uma obrage, com suas famosas stromboot.

Mal saído de Corrientes havia calçado suas robustas botas, pois os jacarés da margem esquentavam já na paisagem. Mas apesar disso o contador público cuidava muito de seu calçado, evitando arranhões e  contatos sujos.

Deste modo chegou à obrage de seu padrinho, que na hora teve  que conter os impulsos         de seu sobrinho.

– Aonde vai agora? – tinha perguntado surpreendido.

– Ao monte; quero percorrê-lo um pouco – respondeu Benincasa, que acabava de  pendurar a winchester no ombro.

–Mas, infeliz! Não vai poder dar um passo. Segue a trilha, se quiser... Ou melhor, deixa essa arma, e amanhã mandarei um peão te acompanhar.

Benincasa renunciou ao seu passeio. Contudo, foi até a margem do bosque e se deteve. Tentou vagamente um passo adentro, e ficou quieto. Meteu as mãos nos bolsos e olhou detidamente aquele inextricável emaranhado, assobiando fracamente trechos incompletos. Após observar de novo o bosque de um lado ao outro, retornou bastante desiludido.

No dia seguinte, no entanto, percorreu a trilha central por cerca  de uma légua, e ainda que seu fuzil voltasse profundamente dormido, Benincasa não lamentou o passeio. As feras chegariam pouco a pouco.

Estas chegaram  na segunda noite, ainda que de um modo  um pouco singular.

Benincasa dormia profundamente, quando foi acordado por seu padrinho.

–Ei, dorminhoco! Levanta que vão te comer vivo.

Benincasa se sentou bruscamente na cama, alucinado pela luz dos três lampiões de vento que se moviam de um lado a outro no quarto. Seu padrinho e dois peões regavam o andar.

– O que foi, o que foi? –perguntou, jogando-se ao chão.

–Nada... Cuidado com os pés... A correição.

Benincasa já tinha   se inteirado das curiosas formigas a que chamamos correição. São pequenas, negras, brilhantes e marcham velozmente em rios mais ou menos largos. São essencialmente carnívoras. Avançam devorando tudo que encontram pelo caminho: aranhas, grilos, escorpiões, sapos, víboras, e todo ser que não pode lhes resistir. Não há animal, por grande e forte que seja, que não fuja delas. Sua entrada em uma casa supõe a exterminação absoluta de todo ser vivo, pois não há rincão nem buraco profundo onde não se precipite o rio devorador. Os cães uivam, os bois mugem, e é forçoso abandonar a casa, em troca de ser roído em dez horas até o esqueleto. Permanecem no lugar um, dois, até cinco dias, segundo sua riqueza em insetos, carne ou gordura. Uma vez devorado tudo, se vão.

Mas não resistem à creolina ou droga similar; e como na obrage havia muita creolina, em menos de uma hora o chalé ficou livre da correição.

Benincasa observava muito de perto, nos pés, a placa lívida de uma mordida.

– Picam muito forte, realmente! – disse surpreendido, levantando a cabeça para seu padrinho.

Este, para quem a observação não tinha já nenhum valor, não respondeu, felicitando-se, em compensação, de ter contido a tempo a invasão. Benincasa retomou o sono, ainda que sobressaltado toda a noite por pesadelos tropicais.

No dia seguinte foi ao monte, desta vez com um facão, pois tinha acabado de compreender que tal utensílio lhe seria bem mais útil no monte que a espingarda. É verdade que seu pulso não era maravilhoso, e sua pontaria muito menos. Mas, de qualquer maneira, conseguia quebrar os ramos, açoitar a cara e cortar as botas; tudo em um.

O monte crepuscular e silencioso o cansou cedo. Dava-lhe a impressão - exata por demais – de um cenário visto de dia. Da agitada vida tropical não há a essa hora mais que o teatro gelado; nem um animal, nem um pássaro, nem um ruído quase. Benincasa voltava quando um surdo zumbido lhe chamou a atenção. A dez metros dele, em um tronco oco, diminutas abelhas aureolavam a entrada do buraco. Se aproximou com cautela e viu no fundo da abertura dez ou doze bolas escuras do tamanho de um ovo.

– Isso é mel – disse o contador público com íntima gula - Devem ser bolsinhas de cera, cheias de mel...

Mas entre ele, Benincasa, e as bolsinhas, estavam as abelhas. Após um momento de descanso, pensou em fogo: levantaria uma boa fumaceira. A sorte quis que enquanto o ladrão se aproximava cautelosamente da folharada úmida, quatro ou cinco abelhas pousassem em sua mão, sem o picar. Benincasa logo apanhou uma  e,  oprimindo seu abdômen, constatou que não tinha ferrão. Sua saliva, já leve, se purificou em melífica abundância. Maravilhosos e bons animaizinhos!

Em um instante o contador desprendeu as bolsinhas de cera, e afastando-se um bom trecho para escapar do pegajoso contato das abelhas, se sentou em uma grande raiz. Das doze bolas, sete continham pólen. Mas as restantes estavam cheias de mel, um mel escuro, de sombria transparência, que Benincasa saboreou gulosamente. Tinha um gosto distinto. De quê? O contador não pôde explicar. Talvez resina de frutas ou de eucalipto. E por igual motivo,  o denso mel tinha um vago sabor áspero. Mas, em compensação, que perfume!

Benincasa, uma vez bem seguro de que só cinco bolsinhas lhe seriam úteis, começou. Sua ideia era singela: colocar o favo gotejante suspenso sobre sua boca. Mas como o mel era espesso, teve que aumentar o buraco, depois de ter permanecido meio minuto com a boca inutilmente aberta. Então o mel surgiu, afinando-se em pesado fio até a língua do contador.

Um depois do outro, os cinco favos se esvaziaram assim, dentro da boca de Benincasa. Foi inútil que ele prolongasse a suspensão, e muito mais que repassasse os balões exaustos; teve que resignar-se.

Enquanto isso, a sustentada posição da cabeça ao alto tinha-o enjoado um pouco. Pesado de mel, quieto e os olhos bem abertos, Benincasa considerou de novo o monte crepuscular. As árvores e o solo tomavam posturas por demais oblíquas, e sua cabeça acompanhava o vaivém da paisagem.

– Que enjoo curioso... – pensou o contador. - E o pior é...

Ao levantar-se e tentar dar um passo, se viu obrigado a cair de novo sobre o tronco. Sentia seu corpo de chumbo, sobretudo as pernas, como se estivessem imensamente inchadas. E os pés e as mãos formigavam.

– É muito estranho, muito estranho, muito estranho! – repetiu estupidamente Benincasa, sem suspeitar, no entanto, do motivo dessa estranheza - Como se tivesse formigas... A correição – concluiu.

E de repente a respiração se cortou seca, de espanto.

– Deve de ser o mel...! É venenoso...! Estou envenenado!

E num segundo esforço para levantar-se, seu cabelo arrepiou-se de terror: não podia nem se mover. Agora a sensação de chumbo e o formigamento subiam até a cintura. Durante um tempo o horror de morrer ali, miseravelmente só, longe de sua mãe e seus amigos, lhe coibiu todo meio de defesa.

– Vou morrer agora...! Daqui a pouco vou morrer...! Já não posso mover a mão...!

Em seu pânico constatou, no entanto, que não tinha febre nem ardor de garganta, e o coração e pulmões conservavam seu ritmo normal. Sua angústia mudou de forma.

– Estou paralítico, é a paralisia! E não vão me encontrar...

Mas uma visível sonolência começava a apoderar-se dele, deixando-lhe íntegras suas faculdades, ao mesmo tempo em que o enjoo  acelerava. Assim, pensou notar que o solo oscilante ficava negro e se agitava vertiginosamente. Outra vez veio à sua memória a lembrança da correição, e em seu pensamento se fixou como uma suprema angústia a possibilidade de que esse negror que invadia o solo...

Teve ainda forças para se arrancar desse último espanto, e de repente lançou um grito, um verdadeiro alarido em que a voz do homem recupera a tonalidade do menino aterrorizado: por suas pernas subiam um precipitado rio de formigas negras. Ao redor dele a correição devoradora escurecia o solo, e o contador sentiu por baixo da cueca o rio de formigas carnívoras que subiam.

Seu padrinho achou-o finalmente, dois dias depois, e sem a menor partícula de carne, o esqueleto coberto pela roupa de Benincasa. A correição que vagava ainda por ali e as bolsinhas de cera o esclareceram suficientemente.

Não é comum que o mel silvestre tenha essas propriedades narcóticas ou paralisantes, mas pode acontecer. As flores com igual caráter abundam no trópico, e já o sabor do mel denuncia na maioria dos casos sua condição – tal como deixou a resina de eucalipto que Benincasa achou sentir.


 [I]corruptela de stormboot, botinas à prova d’água para uso em tempestades
 
 

Grandes nomes da literatura hispano-americana: Horacio Quiroga

Horacio Silvestre Quiroga Forteza nasceu em Salto, Uruguai, em 31 de dezembro de 1878, e morreu em Buenos Aires, Argentina, em 19 de fevereiro de 1937. É considerado um dos maiores contistas latino-americano de todos os tempos. Um escritor excêntrico e fascinante que conduziu com destreza a arte da narração e influenciou outros escritores como Julio Cortázar e Juan Carlos Onetti. A maioria de seus contos é ambientada no espaço selvático das fronteiras entre Argentina, Paraguai e Brasil, local onde viveu longos anos. “Conto de amor de loucura e de morte” e “Os desterrados” são suas mais importantes obras. Os relatos revelam um gênero sombrio que envolve os aspectos mais estranhos da natureza e, com frequência, matizados de horror, doença e sofrimento. Leitor voraz de Edgar Allan Poe e Guy de Maupassant, Horacio Quiroga uniu-se a escola modernista e deixou uma vasta obra em contos, algumas poesias, duas novelas, além de críticas literárias e para o cinema. Mestre incomparável, Quiroga idealizou sua produção literária a partir da experiência vivencial. Dentre todos os contos que nasceram do aguçado e sombrio imaginário do escritor uruguaio, é difícil encontrar um que seja tão trágico como sua própria vida marcada por tragédias. Com apenas dois meses de vida, seu pai morreu vítima de um disparo acidental de sua própria arma. Sua mãe casa-se novamente, e Quiroga passa a nutrir grande afeto pelo padrasto, porém ante o terrível sofrimento causado por uma paralisia cerebral, o padrasto suicida-se com um tiro quando o escritor tinha ainda 12 anos. Em 1901, ano da publicação de seu primeiro livro, “Os arrecifes de coral”, seus irmãos Pastora e Juan Prudencio, morrem vítimas da febre tifoide. No ano seguinte, em 1902, outro trágico e derradeiro episódio marca para sempre a vida do jovem escritor: seu melhor amigo, Frederico Ferrando é fortemente criticado por um jornalista montevideano e comunica ao amigo seu desejo de duelar com o mesmo. Quiroga se oferece para explicar o funcionamento da arma que seria usada na disputa, quando a mesma subitamente dispara atingindo Frederico e matando-o imediatamente. Após a morte de seu melhor amigo, Quiroga muda-se para Buenos Aires em 1903 e começa a dar aulas de espanhol no Colégio Britânico. Em 1906 é nomeado professor de literatura na Escola Normal nº 8, onde conhecerá sua primeira esposa, Ana María Cirés. Em 1910, já casado, Quiroga abandona o magistério e passa a morar em San Ignacio. Em 29 de janeiro de 1911, em sua própria casa, unicamente amparada pelo marido e em meio à selva de Misiones, Ana Maria dá à luz a primeira filha do casal Eglé Quiroga. Em fevereiro de 1912, nasce Darío Quiroga, segundo filho do casal, em um hospital em Buenos Aires. Porém, os conflitos conjugais e as discussões entre o casal são constantes, Ana não se adapta à vida difícil e ao isolamento na selva de Misiones, e suicida-se, em 1915, ingerindo um tipo de veneno conhecido como “sublimado corrosivo” (cloreto de mercúrio). Em 1916 Quiroga retorna à Buenos Aires com seus filhos e por influência de amigos é nomeado contador do Consulado Geral do Uruguai. Em 1926, Horacio conhece a jovem María Elena Bravo, amiga de sua filha Eglé, com quem se casa em 16 de julho de 1927. Ela com menos de vinte anos de idade e ele próximo aos cinquenta... No ano seguinte nasce a única filha do casal, María Helena Quiroga, a “Pitoca”. Mais uma vez, a difícil vida no isolamento da selva gera conflitos conjugais e María Elena retorna a Buenos Aires com a filha, abandonando o escritor na solidão da selva. Em setembro de 1936, acometido por fortes dores estomacais, o escritor vai para Buenos Aires, onde é internado no Hospital de Clínicas e diagnosticado com um câncer gástrico irremediável. Em 18 de fevereiro de 1937, aos cinquenta e oito anos, Horacio Quiroga tira a própria vida ingerindo cianureto. Seu corpo é velado na sede da Sociedade Argentina de Escritores e após ser cremado, suas cinzas são transportadas para Salto, sua cidade natal. Um ano após sua morte, Eglé Quiroga, filha mais velha do autor, com apenas vinte e sete anos de idade suicida-se após receber o diagnóstico de um tumor maligno. Em 1951, Darío Quiroga, em um rompante de desespero, suicida-se e em 1988 foi a vez de “Pitoca”, aos setenta anos de idade.
 
“No se conoce creador alguno de cuentos campesinos, mineros, navegantes, vagabundos, que antes no hayan sido, con mayor o menor eficacia, campesinos, mineros, navegantes y vagabundos profesionales.” (Quiroga - “Decálogo del perfecto cuentista”)

Tá com bicho carpinteiro?



Os professores e pais que nos digam, pois devem rezar todos os dias para que os cientistas descubram, de uma vez por todas, como “dedetizar” as crianças contra esse tal: “bicho carpinteiro”. Porque parece ser ele o culpado das agitações, corre-corre, travessuras e inquietações da criançada! 

Mas, pobre coitado do bichinho, ele não tem culpa nenhuma e tudo decorre da espantosa capacidade humana de ouvir mal e transformar as expressões em absurdas e engraçadas. 

As crianças, e até mesmo adultos, quando ficam, ou são, inquietos, é porque parecem ter “bicho no corpo inteiro”, como se estivessem sendo roídas por dentro!!! (Reinaldo Pimenta, A casa da mãe Joana, editora Campus) E isso não significa que são “bichos carpinteiros”, que, aliás, preferem outras iguarias... Este tipo de cupim rói troncos e cascas de árvores com incrível persistência.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Línguas como Patrimônio Imaterial
 
Gilvan Müller de Oliveira
fonte: Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística
06.01.2009
 
Línguas são artefatos históricos, construídos coletivamente ao longo de centenas ou milhares de anos. É através das línguas que as sociedades humanas, definidas como ?comunidades linguísticas? produzem a maior parte do conhecimento de que dispõem e é através da língua que são construídos os sistemas simbólicos de segunda ordem, como a escrita ou as matemáticas, e que permitem a ação humana sobre a natureza e sobre os outros homens.
Línguas são, nesse sentido, um tipo muito especial de SABER: são ao mesmo tempo o hardware e o software para a produção dos outros conhecimentos. Cada língua sintetiza, nas categorias que desenvolveu historicamente e nos seus modos de operação discursiva, experiências únicas e insubstituíveis.
Não são, como objetos - e muito menos como objetos culturais - de muito fácil percepção para a maioria das pessoas: as pessoas usam as línguas, não as percebem, como não percebem o ar que respiram e sem o qual não sobreviveriam mais de três minutos. Exceto em pontos muito específicos - aqueles em que as línguas interpelam diferenças convencionais, isto é, reprodutíveis pelo discurso: de classe, de gênero, de etnia, de religião - as línguas são o ponto cego da nossa vida social.
E no entanto, são uma das maiores expressões de diversidade que temos na humanidade: são aproximadamente 6.800 línguas no mundo, distribuídas de forma assimétrica entre os países. Embora 94% dos países do mundo sejam plurilíngues, isto é, tenham em seus territórios diferentes comunidades linguísticas, oito países concentram mais da metade das línguas do globo: Papua Nova-Guiné, Indonésia, Nigéria, Índia, México, Camarões, Austrália e Brasil.
No Brasil são faladas cerca de 210 línguas por cerca de um milhão de cidadãos brasileiros que não têm o português como língua materna, e que nem por isso são menos brasileiros. Cerca de 190 línguas são autóctones, isto é, línguas indígenas de vários troncos linguísticos, como o Apurinã, o Xokléng, o Iatê, e cerca de 20 são línguas alóctones, isto é, de imigração, que compartilham nosso devir nacional ao lado das línguas indígenas e da língua oficial há 200 anos, como é o caso do alemão, do italiano, do japonês.
O fato de termos aprendido que a situação ?normal? no mundo é a situação de monolinguíssimo e de termos aprendido a ver o plurilinguíssimo como uma anomalia, é mais um produto da história da criação do Estado-Nação nos últimos 300 anos, quando se estabeleceu o desiderato de ?um Estado, um Povo, uma Língua?, tão prejudicial à construção da cidadania. O Estado-Nação moderno e monoglota foi o responsável pelos maiores glotocídios, isto é, assassinatos de línguas de toda a história da humanidade até o presente momento. Só para dar um exemplo: calcula-se que se falavam no que é hoje o território brasileiro, em 1500, cerca de 1.080 línguas, das quais restaram hoje 15%: as 190 línguas já referidas. 85% das línguas desapareceram sem deixar vestígios, já que se tratava de línguas ágrafas, isto é, sem escrita, como aliás a maioria das línguas do mundo.
Darcy Ribeiro calcula que na primeira metade do século XX desapareceram no Brasil 67 línguas. E no entanto, línguas desaparecem muito menos de morte morrida, e muito mais de morte matada. São vítimas muito menos das mudanças históricas nas condições de veicularidade, de ampliação dos mercados, por exemplo, do que de políticas culturais - nesse caso chamadas de políticas linguísticas - de proibição, de desautorização, de minorização, de exclusão da escola; são vítimas da ideia de que a cidadania tem que ser monolíngue, da concepção que falar mais que uma língua é algo que deve ser evitado.
O Brasil tem uma triste tradição de políticas de destruição do patrimônio linguístico nacional - porque é disso que se trata: de compreendermos como e porquê línguas são um patrimônio para nosso país. Nenhum país da América Latina manteve tanta coerência entre o Diretório dos Índios do Marquês de Pombal - de 1753 - de um lado, e as 143 páginas de legislação anti-linguas produzido entre 1911 e 1945, recentemente compiladas pelo IPOL - Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, e que atingiu seu ponto alto na chamada ?Campanha de Nacionalização do Ensino? do Estado Novo varguista. Pombal atacou as línguas indígenas e muito especialmente a Língua Geral, conhecido leigamente como Tupi; Vargas se concentrou nas línguas de imigração, com respingos importantes contra as línguas indígenas. Em vários outros momentos da nossa história, porém, podemos identificar os dispositivos de construção do monolinguíssimo e a violência desencadeada contra cidadãos brasileiros por causa das línguas que falavam. A política de estado no Brasil sempre foi a política da língua única.
E no entanto, continuamos hoje com políticas linguísticas refratárias à ideia de pluralidade e diversidade. É verdade que a Constituição de 1988 incorporou pela primeira vez na história o reconhecimento dos povos indígenas como etnias que têm o direito coletivo à sua cultura e à sua língua, provocando assim uma ruptura com a coerente política de ?integração? que vinha desde a Colônia. É verdade que temos hoje 115.000 alunos indígenas estudando em quase 3.500 escolas bilíngues, sob a coordenação de estados e municípios.
Mas é verdade também que os direitos linguísticos indígenas não foram estendidos aos falantes de outras línguas brasileiras, muito especificamente as línguas alóctones.
 
Línguas Brasileiras, um conceito com o qual só temos a ganhar: "Línguas brasileiras são línguas faladas no território nacional por comunidades linguísticas de cidadãos brasileiros".
 
Indígenas, quilombolas ou nipo-brasileiros, são todos brasileiros, logo, suas línguas são línguas brasileiras.
É verdade, além disso, que as escolas indígena bilíngues são bilíngues, na sua maioria absoluta, só no papel, porque o bilinguismo é estranho à tradição educacional brasileira, voltada historicamente para a imposição da língua única. Embora "bilíngues", as escolas indígenas têm sido muito mais um fator para a perda linguística do que para a manutenção e o desenvolvimento de uso das línguas.
Nesse sentido, é urgente - muito mais do que urgente - que o Estado Brasileiro passe a ver essa importante faceta da diversidade constitutiva do Brasil. A diversidade não é só racial, étnica, de gênero, regional, a diversidade também é linguística.
A década de 1990 viu a formulação da perspectiva fundamental de reconhecer e levar a efeito os DIREITOS LINGÜÍSTICOS das comunidades de brasileiros que falam outras línguas - minoritárias e minorizadas - em conformidade com o que reza a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS LINGÜÍSTICOS apresentada pela UNESCO na Conferência de Barcelona em 1996 e traduzida e publicada no Brasil apenas em 2003.
O IPOL - Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, entidade da qual sou coordenador, e que há muitos anos interage com os falantes das línguas minorizadas do Brasil no sentido de aportar-lhes apoio técnico para seus projetos linguísticos, vem trazer à discussão uma proposição de política federal de reconhecimento das comunidades linguísticas e das línguas como patrimônio, buscando o IPHAN e o Ministério da Cultura como interlocutores. Sou muito grato, aproveito a ocasião para agradecer, aos organizadores desta Conferência, pela oportunidade de podermos apresentar a ideia neste painel, onde a proposição pode ter uma audiência qualificada e especializada.
A criação de um LIVRO DE REGISTRO DAS LÍNGUAS, ao lado dos outros livros de registro já existentes no âmbito do programa de patrimônio imaterial brasileiro, como o livro de registro dos saberes, o livro das celebrações, ou o livro dos lugares, levaria ao reconhecimento, pela primeira vez na história do país, de que as línguas são parte do patrimônio cultural brasileiro. De que queremos que as línguas das nossas comunidades linguísticas estejam aqui no futuro.
A dinâmica de registro a ser pensada e executada tocará, sem dúvida, em várias questões que não têm sido tematizadas com frequência no país. Uma delas, e não a mais importante, é que enquanto o Brasil, sistematicamente, desconhece sua riqueza linguística e não pensa uma política para uma gestão do conhecimento produzido nestas línguas, entidades norte-americanas e europeias, por exemplo, às vezes em parceria com entidades brasileiras, às vezes não, têm registrado nossas línguas e composto acervos no exterior, onde esta informação é processada de vários pontos de vista. É o caso de um dos maiores bancos de dados de línguas do mundo, o Ethnologue, da entidade norte-americana Summer Institute of Linguistics, que usou e tem usado a atividade missionária no Brasil e em dezenas de países não só para "salvar as almas" dos indígenas, mas também para coletar informação linguística. É o caso também do Projeto de Documentação de Cinco Línguas Tupi Urgentemente Ameaçadas, financiado pelo Endangered Languages Documentation Programme da Inglaterra, ou dos projetos com as línguas Kuikuro, Aweti, Trumai, Tiriyó, Mawé e Bakairi financiados pelo Programa DOBES, da Fundação Volkswagen, da Alemanha, entre outros.
É claro que não estou querendo sugerir que estes projetos, especialmente os que têm parceiros brasileiros, devam ser vistos com suspeita, ou, como tem sido às vezes feito, que por associação à ?biopirataria? componhamos a palavra ?glotopirataria?, isto é, a pirataria das riquezas linguísticas dos países pobres pelos países imperialistas. Mas merece nossa atenção o fato de a riqueza linguística do país despertar mais atenção no exterior do que aqui, e o fato de que essa questão não passe pela atenção qualificada do Estado.
Inexiste até o momento um programa que dê unidade aos trabalhos descritivos realizados e que ultrapasse a questão apenas da documentação técnica da língua para fins acadêmicos, incorporando a questão dos DIREITOS LINGÜÍSTICOS dos falantes e, ao lado disso, o que é mais importante: o reconhecimento do Político que há nessa questão - a inclusão, e mais do que isso, a redefinição da associação proposta pelo Estado Brasileiro entre língua e cidadania, língua e identidade.
O Livro de Registro das Línguas reúne as condições, como instrumento de Estado e como instrumento de cidadania, para ser pivô na elaboração de uma política nacional de línguas minoritárias e minorizadas, incluindo-se aí toda a riqueza das formas orais populares do português. Habilita-se a esse papel pela credibilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e pelas políticas de inclusão do Governo Federal. Habilita-se ainda pela possibilidade de ser, desde onde funcionará, o articulador dos movimentos sociais dos falantes de línguas minoritárias e dos grupos intelectuais preocupados com a perda linguística no país.
Diz o sociolingüista Louis-Jean Calvet que não são os homens que existem para servir às línguas, são as línguas que existem para servir aos homens. Para que isso ocorra, entretanto, precisamos reconhecer as línguas e através delas o que é mais importante: AS COMUNIDADES LINGÜÍSTICAS BRASILEIRAS. Precisamos formular uma política cultural - isto é, uma política linguística - que reconheça todas as línguas de todos os brasileiros. A criação, no setor do patrimônio imaterial do IPHAN do Livro de Registro das Línguas é uma oportunidade histórica que temos para superar o colonialismo da língua única e, coerentemente com a política de inclusão social e de construção da cidadania do Governo Federal afirmar que é possível ser brasileiro em muitas línguas.
 

Cor de burro quando foge?

Que cor será que tem o burro quando foge?!!! As cores fazem parte do nosso dia a dia e estão impregnadas de significados. Mas, com certeza, nem todos os estudos teóricos das cores, é passível que chegar a uma conclusão sobre qual é a cor do burro quando ele foge! 

A expressão coloquial “cor de burro quando foge” teria nascido da antiga expressão “corro de burro quando foge”, pois quando foge o animal fica sem controle, agressivo, furioso, causando medo. Portanto, as pessoas devem correr do burro quando ele foge. O gramático, latinista e médico por profissão, Antônio de Castro Lopes teria sido o primeiro a registrar tal expressão que, a princípio, nada teria a ver com a cor do animal. Mas a mudança da expressão para “cor de burro quando foge”, tem como sentido referir-se a cor indefinida, empardecida, como a cor do animal! A expressão foi empregada por Joaquim Manoel de Macedo no clássico “A moreninha” em 1844: "(...) meu amigo Fabrício, que talvez acaba de chegar de alguma visita diplomática, vestido com esmero e alinho, porém tendo a cabeça encapuçada com a vermelha e velha carapuça do Leopoldo; este, ali escondido dentro de seu robe de chambre cor de burro quando foge, e sentado em uma cadeira tão desconjuntada que, para não cair com ela, põe em ação todas as leis de equilíbrio, que estudou em Pouillet". 

Talvez, a inversão ou mudança da expressão, assim como tantas outras, tenha acontecido pela admirável capacidade humana de ouvir mal e reinterpretar as palavras transformando-as em expressões absurdas e até engraçadas! Muitas das expressões populares são produtos da modificação criada por seus ouvintes.
 
Então: corra de burro quando foge e também das cores de burro quando foge, porque é uma das poucas que não favorece absolutamente ninguém!
 
 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Grandes nomes da literatura hispano-americana: Clemente Palma


Clemente Palma Ramírez, nasceu em Lima, Peru, em 03 de dezembro de 1872 e faleceu na mesma cidade em 1946. Filho do escritor peruano Ricardo Palma, foi um extraordinário contista, cuja fama superou a iniquidade dos anos. Seu mais celebre livro, “Contos Malévolos”, publicado em 1904, mostra a grande originalidade do autor e o domínio da narração curta. Clemente Palma enriqueceu a tradição moderna do conto, instaurando o insólito na narrativa de aparência realista ou naturalista. É justamente esta aptidão que outorga distinção e sarcasmo a sua prosa verdadeiramente original. “Contos Malévolos” foram reeditados em Paris, em 1912. Palma, porém, foi literalmente arrebatado pelo jornalismo, dedicando-se a escrever editoriais políticos e criticas, abandonando lentamente sua melhor faceta, a de contista. No entanto, em 1925, publicou “Historietas Malignas” e as novelas “Mors ex vita” (1923) e “XYZ” (1935), uma pequena novela, que para alguns pareceu extravagante demais pelo uso do ocultismo, na qual se alternam seres comuns com fantasmas endiabrados, como nos relatos do escritor francês Joris-Karl Huysmans, seu autor favorito. Suas crônicas, publicadas semanalmente com o pseudônimo de “Corais”, eram muito esperadas, pois nelas juntavam-se, com rara habilidade o pitoresco local com o fantástico, como se sua imaginação prodigiosa tivesse saído de um conto fantástico, para repousar na prosa jornalística. Palma adentrava como um estilete afiado na vaidade da sociedade “limenha” e alfinetava as pessoas ambiciosas e os costumes da época. Poético na juventude, diabólico depois e erudito mais tarde, Clemente Palma é considerado uma figura chave no desenvolvimento do conto no Peru, ao introduzir temas novos na literatura e romper com a tradição literária peruana, da qual seu pai tinha sido um expoente. Suas histórias tratam principalmente de temas fantásticos, psicológicos, de terror e de ficção. Sentia atração pelo mórbido e muitos de suas personagens são anormais e perversos.