quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Um céu todo estrela



então se fez fonte
o que só era toque.
 
um céu todo estrela
no encontro dos olhos,
 
um fulgor que enlaça
a calmaria da febre
 
onde o tempo se despe
 
e a carne clama um ato
ainda sem nome
 
***
 
procura-se o desassossego
das horas inquietas e úmidas,
a violada canção sagrada
a arder em desertos diários.
 
procura-se o incerto,
a secura ilhada do silêncio,
o tédio das cidades fantasmas,
os caminhos sem saídas,
a íntima falta
que a memória não dissipa.
 
procura-se a mina – os passos
correm o campo, descalços:
a explosão única e precisa,
a limítrofe errância  
entre o plano e o precipício.
 
procura-se a voraz vertigem,
o sagrado impregnado do profano,
a humana redenção à vida.
 
procura-se o maior abismo
escavado no coração da terra,
do céu, no peito do aflito,
 
o fogo mais intenso e quase extinto,
o manancial do delírio,
a hora em que deflora a flor
o inseto e tudo é lindo.
 
procura-se a loucura, o delíquio:
tudo aquilo a que o amor se lança
fingindo não temer o risco
 
***
 
ubuntu,
meu coração desafia
não ser um.
 
juntos, compartir o fruto.
nem mesmo as mãos
são só duas, quando estendidas
ao futuro.
 
bem mais em mim que o dobro
em tudo, revoluz, vislumbro o todo
e pó, que sou, solto pelo mundo.
 
seguem as dunas
e não duram eternas ao vento.
à margem do mar, marejado olhar suspenso,
aconchega a ilusão de um mundo tão pequeno;
até correr, pés, utopia, o espaço incalculável
do universo, quando esquecemos o tempo:
 
cemitério indesvendável do nada 
 
***
 
canto,
mesmo que o canto
não compreenda
os ossos todos dos ecos,
 
nem saiba
o sibilino mistério do assombro
de se evocar, em poucas palavras,
o mesmo e o novo,
 
como a água evoca a água
o ar o ar a terra a terra
o fogo o fogo a mulher a vida.
 
gesto o canto mesmo quando
pareço silêncio

***
como se a casa fosse
de sua alma erigida,
sobre a forma que trouxe
à luz a sua própria vida,
 
é nessa casa que habita
meu ser que se recria:
 
sobre a forma que trago,
de minha alma ser a casa
onde nosso amor cultiva
uma troca de moradas,
 
que é a mesma casa,
a vida
 
***
agora o pouco
é tudo
o que nos resta.
 
agora é tudo.
 
é muito
pedir pouco.
 
agora resta
a vida e seus outros mistérios,
 
sua presença constante
e a fuga sempre certa
do tempo.
 
agora tudo 
é o que nos resta
 
(“Um céu todo estrela” - Alex Dias)








Alex Dias é poeta, ator e gestor cultural. Autor dos livros de poesia Lírica Abissal, lançado pela editora Urutau (2016) e Um céu todo estrela, lançado pela editora Patuá (2017), é Coordenador de Programação do Sesc Birigui e mestrando em Teorias e Crítica da Poesia, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da UNESP de Araraquara, com a pesquisa: Construção e utopia na poesia de invenção. Tem pós-graduação em “Gestão Cultural: Cultura, Desenvolvimento e Mercado” (2016). Possui graduação em Ciências da Informação e da Documentação e Biblioteconomia pela USP de Ribeirão Preto (2006). Fundou e dirige a empresa Osnáuticos – de Arte, Cultura e Educação – onde desenvolve projetos que englobam poesia, literatura, cinema, música e artes cênicas e visuais. Também fundou e coordena o "Poéticas – Laboratório de pesquisa e Criação Literária e Poética" e o projeto "Bagagem... Poesia!", voltado à mediação de leituras. Fez Magistério (2002) em São José do Rio Preto.

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