segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Diálogos com o leitor na produção literária...

Uma noite prodigiosa, uma dessas noites que talvez só vejamos quando somos novos, querido leitor. O céu estava tão fundo e tão claro que ao olhá-lo uma pessoa era forçosamente levada a perguntar-se se seria possível que debaixo de um céu daqueles pudessem viver criaturas más e tenebrosas. Questão esta que, para dizer a verdade, só é costume levantar-se quando somos jovens, muito jovens mesmo, querido leitor. Prouvera a Deus que pudésseis reviver com frequência essa idade na vossa alma! Enquanto ia pensando assim em várias pessoas, é claro que acabava por recordar-me involuntariamente do panegírico que a mim próprio eu havia tecido, nesses tempos. Já desde manhã se tinha apoderado de mim uma estranha disposição de espírito. Vinha-me a impressão de que vivia tão sozinho, de que havia ainda de chegar a ver-me abandonado por toda a gente, de que todos haviam se afastado de mim. Naturalmente todos têm agora o direito de perguntar-me: “Bem, vejamos: quem vêm a ser esses ‘todos’”?


(“Noites brancas”. Fiódor Dostoiévski)



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