quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Os santos aparecem, os demônios assombram

A ver a imensidão dos fiordes, as montanhas de pedra cortadas por rigor, o movimento nenhum, achei que o mundo mostrava a beleza mas só sabia produzir o horror. (...) Podia ser que eu estivesse ainda mais magra por ter ficado vazia dos poucos gramas que pesava a alma. A minha mãe chamava-me estúpida. Perguntei-lhe que sentido encontrava na vida. O que andaríamos ali a tentar descobrir. Mas ela nunca o saberia. Surpreendeu-se com a profundidade da questão. Foi um modo intuitivo que tive de a magoar, para que não me ofendesse com sua contínua e impensada rejeição. Magoávamo-nos, acreditava eu, sempre por causa da ternura. Como que a reclamá-la enquanto a perdíamos de vez. (...) Repeti: a morte é um exagero. Leva demasiado. Deixa muito pouco. (...) As nossas pessoas olhavam-me sem saber se viraria santa ou demônio. Os santos aparecem, os demônios assombram.

 (“A desumanização”. Valter Hugo Mãe)






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