Ele voltou-se. Umedeceu
com a ponta da língua os lábios secos. E teve um meio sorriso que lhe deu à
fisionomia uma expressão desamparada.
- Eu estava tão
distraído - desculpou-se abotoando o paletó.
Você não estava distraído,
pensei responder-lhe, você estava na defensiva. Preparava-se para uma luta. Era
com o Diabo? quis gracejar. Contive-me. Não cabia agora nenhum gracejo.
- Acho que podemos
enfim conversar. Ou não?
Ele escudou-se atrás
da mesa. Baixou o olhar para os meus pés.
- Você está parecendo
uma menina assim descalça...
- Gosto de andar
descalça no verão - murmurei aproximando-me. - André, preciso muito falar com
você.
Apesar da
semiobscuridade da sala, notei que sua expressão estava agora mais firme. Ele
se recompunha.
- Sim, precisamos
conversar - concordou num tom de homem de negócios que vai ver se dispõe de
algum tempo livre em sua agenda. - Mas vamos acender a luz?
Antes que ele
chegasse ao abajur, segurei-lhe a mão por detrás. Por um rapidíssimo segundo
ficamos de mãos dadas no escuro, imóveis e tão próximos que cheguei a sentir
sua respiração. Mais um passo e poderia beijá-lo na boca. Contudo, mais
profundo ainda do que o beijo era aquele halo espesso que nos envolvia e nos
mantinha em suspenso.
- Anoiteceu - disse André
desvencilhando-se. Acendeu a luz. - Não está melhor assim?
- Não, estava melhor
antes - respondi acendendo um cigarro (...)
(“Verão no aquário”.
Lygia Fagundes Telles)
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